Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 27 de maio de 2012

Flores do Oriente: filme de guerra chinês de infeliz padrão hollywoodiano

Realizador de “Herói” e “O Clã das Adagas Voadoras”, Zhang Yimou deixa o próprio estilo de lado em prol de longa tecnicamente impecável, mas sem identidade.

Para os acostumados com o padrão hollywoodiano de fazer filmes, é no mínimo estranho conferir pela primeira vez um filme de Zhang Yimou. O ritmo é mais lento, a narrativa, incomum. Ação (regada a muita arte marcial), romance e drama sempre se entrelaçaram com atípica homogeneidade em seus épicos, transformando tudo em uma grande poesia visual. Com ele, o cinema chinês foi se definindo, encontrando uma própria identidade. Mas é exatamente essa última característica que falta no mais novo trabalho de Yimou. Em “Flores do Oriente”, o premiado diretor parece entregue a um padrão de cinema norte-americano de fácil aceitação, pouca originalidade e nenhuma profundidade, mesmo que a trama gire em torno de um dos mais polêmicos capítulos da história chinesa.

Na verdade, nem parece que Yimou está por trás desta produção. Não há elementos significativos em suas mais de duas horas de duração que o identifiquem. Se não fossem os creditos iniciais e finais, os mais desinformados poderiam achar que trata-se de um filme financiado por Hollywood, feito para os norte-americanos, com o objetivo vergonhoso de conquistar menções na temporada de prêmios nos EUA (coisa que até conseguiu com a indicação a Melhor Filme Estrangeiro no Globo de Ouro 2012). Logo, não é de se estranhar que o personagem principal seja um cidadão americano e que boa parte da língua falada pelos personagens, incluindo os nativos, é o inglês.

Quem protagoniza a trama é Christian Bale, como o dedicado coveiro John Miller. Ele é obrigado a lidar com novos desafios ao não concordar com diversas atitudes do exército japonês durante a ocupação na cidade de Nanquim, em plena guerra sino-japonesa no ano de 1937. Suas convicções levam-no a defender um grupo de meninas e prostitutas, refugiadas em um convento da localidade. Miller é forçado até a fingir ser padre, o que inicialmente inibe, mas não impede que os soldados estrangeiros abusem, violentem e executem inúmeros civis, em especial, as mulheres, no que ficou conhecido como o Massacre de Nanquim.

Adaptado do livro “The 13 Women of Nanjing”, de Geling Yan, “Flores do Oriente” é daqueles filmes necessários sobre um determinado fato histórico que pretende atingir todo e qualquer público. E para tanto, dispensa toques de originalidade e opta por linguagem e trama convencionais de explícitos início, meio e fim. A emotividade também é explorada sem qualquer vergonha, não hesitando em utilizar-se do maniqueísmo para gerar desconforto e revolta no público. Essa, por sinal, é uma das piores falhas do longa, que transforma os japoneses em vilões dos mais aterrorisantes, daqueles que saem atirando e esfaqueando qualquer um que não seja seu conterrâneo.

O contrário acontece com os chineses, sempre exibidos como heróis ou coitados. Em uma das cenas mais emblemáticas, a câmera estranhamente deixa o interior do convento e mostra um único soldado de Nanquim desafiando mais de uma dúzia de adversários. Ele chega a sacrificar a própria vida a favor dos ainda sobreviventes. E é nessa opção por contextualizar exageradamente o clima da guerra que o roteiro de Heng Lui esquece de construir seus personagens principais, bem como as relações vividas entre eles. O roteirista não convence nem ao justificar a ida de John Miller a cidade chinesa, soando muito mais como um falso pretexto para a produção ser mais bem aceita pelo público norte-americano.

O script até tenta buscar alguma afeição com uma das representantes dos grupos das meninas e das prostitutas, chegando a conseguir alguma simpatia advinda da segunda, de nome Yu Mo (Ni Ni),que conta parte de sua dolorosa vida e tem um romance mal contado e atropelado com Miller. Já das garotas de 12 anos, permanece distante, mesmo que Shujuan Meng (Xinji Zhang),  a aparente líder delas, tenha vivido dias atribulados ao lado do pai. Além delas, outro personagem que se destaca de forma também tímida é o garoto George (Tianyuan Huang), o fiel escudeiro de Miller. Mas quando nem do próprio protagonista sabemos algo de relevante, não é de se esperar muita qualidade advinda dos coadjuvantes.

À Zhang Yimou sobram momentos de pequena liberdade em que demonstra sua destreza técnica, especialmente nos primeiros minutos de projeção, em que a violência de tempos de guerra é mais explícita. Um plano sequência, em particular, em que persegue uma possível vítima de estupro, é de tirar o fôlego. Mas tanto essa, como grande parte das cenas de “Flores do Oriente” não são de uma assinatura somente sua. Poderiam ter sido feitas por qualquer outro diretor competente tecnicamente, mas refém de um roteiro convencional e maniqueísta que resultam em um filme da mesma estirpe.

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Darlano Dídimo é crítico do CCR desde 2009. Graduado em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC), é adorador da arte cinematográfica desde a infância, mas só mais tarde veio a entender a grandiosidade que é o cinema.

Darlano Didimo
@rapadura

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