Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Star Wars – Episódio I (1999): relançamento expõe defeitos do pior capítulo da saga

A segunda trilogia da epopeia espacial de George Lucas começa com o pé esquerdo em um filme sem ritmo, com alívios cômicos completamente deslocados, diálogos sem sentido e muita enrolação. Sem falar em uma conversão 3D inexistente.

Em 1999, “Star Wars – Episódio I: A Ameaça Fantasma” marcou o retorno da saga aos cinemas, bem como o início da segunda trilogia da história, aquela que contaria a origem do Império Galáctico e do vilão Darth Vader. Mais de uma década depois, o longa ganha um relançamento na telona, desta vez dotado da tecnologia 3D. O fato doloroso para todos os fãs é que “Episódio I” nunca foi um bom filme. Desprovido do hype que cercou o seu lançamento e visto de maneira isolada, isso se torna ainda mais claro. Durante o (longo) período em que ficou sem dirigir ou escrever, George Lucas se tornou mais produtor do que realizador, algo extremamente nocivo para qualquer cineasta.

A fita mostra o mestre Jedi Qui-Gon Jinn (Liam Neeson) e seu aprendiz Obi-Wan Kenobi (Ewan McGregor) sendo enviados para negociar o fim de um bloqueio da inescrupulosa Federação do Comércio contra o pacífico planeta de Naboo. Quando a manobra se revela uma tentativa de invasão, os dois acabam incumbidos de proteger a governante local, Rainha Amidala (Natalie Portman). Durante a fuga, o grupo acaba no distante planeta de Tatooine, onde encontra o pequeno escravo Anakin Skywalker (Jake Lloyd), evento que mudará a galáxia para sempre.

Durante a projeção, temos um número sem-fim de cenas despropositadas, alívios cômicos deslocados, diálogos medíocres, sequências feitas apenas para exibir efeitos especiais de última geração (em 1999), uma explicação biológica desnecessária para a mítica Força e, é claro, o famigerado Jar Jar Binks – também conhecido como a criatura digital mais odiada de todos os tempos -, resultando em uma película com um ritmo altamente inconstante. Visando apenas o merchandising, Lucas (ou seria Lucra$?) esquece da trama e entope a tela de seres exóticos e momentos desenhados especificamente para vender videogames (vide a corrida de pods). Embora conte com um bom visual, é uma produção vazia.

O diretor assassina a tensão de cenas-chave da produção inserindo gags, quase todas protagonizadas pelo infame Jar Jar, um ofensivo estereótipo que mais parece uma mistura de Chris Tucker com um sapo. Imaginem uma batalha épica, no melhor estilo “Guerra e Paz”. Agora coloquem o primo mais idiota do Pateta no meio. Chega a ser doloroso, não? Em 1999, o mero espetáculo dos efeitos computadorizados até poderia segurar o público. Hoje, com algumas das animações presentes no longa parecendo sem textura, mal renderizadas, não há mais nada que impeça a audiência de enxergar os problemas do texto.

Enquanto na trilogia original a magia da Industrial Light & Magic seguia as necessidades da história, aqui ela segue as necessidades financeiras do Impé… opa, do Rancho Skywalker. Quem sofre com isso é o desenvolvimento dos personagens que, dependendo do esforço de seus respectivos intérpretes, não sai do lugar. Há algo de errado quando um dos maiores destaques da produção, Darth Maul (Ray Park), é um vilão visualmente intimidador que mal fala três palavras e não possui nenhuma história de fundo, quase uma tentativa de emplacar um novo Boba Fett.

Entre as performances, o destaque é Liam Neeson, que cria o Jedi mais interessante de toda a saga. Dotado de um código de ética e bondade inabaláveis, Qui-Gon Jinn não hesita em desrespeitar os regulamentos da Ordem Jedi para fazer o que é certo, o que criará uma interessante rima com certos acontecimentos dos próximos filmes. Outro que faz um bom trabalho é Ian McDiarmid, cujo Senador Palpatine é um poço de dubiedade e carisma, sendo uma bênção que a participação do ator cresça tanto nos capítulos seguintes.

Ewan McGregor encarna seu Obi-Wan com um mau-humor quase insuportável, longe da nobreza e do senso de humor sutil que Sir Alec Guiness deu ao personagem na trilogia original. Jake Lloyd, que faz o pequeno Anakin Skywalker, é um dos piores atores mirins de todos os tempos, soando mais forçado a cada cena, com seus momentos dramáticos só não naufragando por conta do talento da atriz suéca Pernilla August, que interpreta sua mãe, Shmi, uma das personagens mais trágicas da saga.

Lloyd simplesmente assassina a batalha espacial que ocorre na órbita de Naboo, parecendo mais um guri jogando videogame. Não foi à toa que, após esse trabalho, o jovem praticamente não apareceu mais na indústria. Sem a mínima química com Natalie Portman, a ligação entre Anakin e Amidala (então disfarçada como a aia Padme) fica comprometida. Portman, por sua vez, empresta alguma dignidade à governante, mas se mostra claramente incomodada nas cenas com efeitos especiais em massa, como as sequências envolvendo o senado.

Existem alguns bons momentos no filme. Sua introdução, que mostra os Jedis como forças incontroláveis, ajuda a estabelecer o nível de força dos heróis, colocando-os praticamente como aqueles monstros imparáveis como Jason ou o Exterminador do Futuro. As lutas são bem coreografadas e, em algumas tomadas, Lucas faz homenagens explícitas a grandes cineastas como Akira Kurosawa e John Ford que funcionam muito bem. Sem falar dos temas de John Williams, sempre empolgantes, como a marcante faixa “Duel of Fates”.

A conversão em 3D foi simplesmente patética. As cenas envolvendo animação computadorizada até apresentam certa profundidade, mas quando o foco está nos atores, o público não sentirá nenhuma sensação de imersão. Reclamações de que “só a legenda está em 3D” não serão poucas e nem despropositadas.

Em comparação com a versão originalmente exibida nos cinemas, esta, que tem um corte idêntico àquele presente no blu-ray, conta com algumas modificações, como o Yoda agora completamente digital e uma corrida de pods um pouco mais longa. Se essa cena já era interminável antes, imaginem agora.

Pecando por vaidade, despreparo e ganância, George Lucas começa com o pé errado essa segunda trilogia da saga que o tornou bilionário, ao tirar todo o coração de sua criação e deixar apenas um exterior bonito, em um filme chato, sem humor ou tensão. O que consola os fãs é que, daqui em diante, as coisas só melhoram. Até porque, depois de “Episódio I”, não existia mais espaço para piorar.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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