Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 14 de agosto de 2011

Super 8: a gostosa brincadeira de ser Spielberg por parte de J. J. Abrams

A adorável e divertida versão de um fã de um cineasta que marcou gerações.

Felizes são os que puderam acompanhar ainda nos cinemas as estreias dirigidas por Steven Spielberg no final dos anos 70 até meados dos anos 80, antes de o diretor norte-americano tentar amadurecer equivocadamente suas produções. Deviam ser experiências inesquecivelmente divertidas, que em nada se comparam a frustrante, mas ainda satisfatória, sensação de assisti-las no VHS de casa, como aconteceu com quem vos escreve. Com “Super 8”, J. J. Abrams consegue proporcionar aos mais novinhos o que o tempo não permitiu,  com uma bem-humorada aventura que resgata elementos das grandes obras de Spielberg, causando uma indescritível nostalgia.

Há de tudo um pouco no filme de Abrams. De “Contatos Imediatos do Terceiro Grau”, ele retira a essência da história, com seus segredos de Estado, sequestros/abduções e desconfianças alienígenas. De “ET – O Extraterrestre”, vêm as características da personalidade do protagonista: jovem, mas extremamente corajoso. Os dois filmes servem também de inspiração para que ele recrie o universo aconchegante e belo das pequenas cidades do interior dos Estados Unidos, logo abaladas por presenças que modificam a rotina de seus moradores. Já de “Os Goonies”, advêm as particularidades cômicas do núcleo de amigos inseparáveis que acabam colocando-se no centro de uma história cheia de mistérios.

Unindo as peças, a trama dá origem a uma parte inesquecível da vida de Joe Lamb (Joel Courtney), um recém-adolescente que acabou de perder a mãe em um trágico acidente de trabalho. A fidelidade dos amigos de colégio, porém, o faz superar o fato. Na verdade, ele transforma-se no maquiador e figurinista de uma produção independente do gênero terror com direito a zumbis em sua história. Se em uma das filmagens Joe tem o prazer de interagir pela primeira vez com a bonita Alice Dainard (Elle Fanning), ele também presencia um grandioso acidente de trem de consequências quase fatais para toda a trupe.

Eles escapam, mas a partir de então, o pequeno município de Lilian, Ohio, passa a presenciar uma série de acontecimentos estranhos, como súbitos desaparecimentos de pessoas, cachorros e objetos, bem como a chegada das Forças Armadas americanas. O pai do garoto, o policial Jackson Lamb (Kyle Chandler), tenta descobrir o motivo de tantos fatos incomuns. Mal sabe ele que seu filho, ao lado de outros quatro amigos, estão bem mais perto de desvendarem o caso, graças a uma filmagem nada intencional e uma curiosidade que se sobrepõe ao medo na maioria de vezes.

“Super 8” é uma criação particular de J. J. Abrams (além de dirigir, ele escreve o filme), o mesmo que resgatou a franquia “Missão Impossível”, com o terceiro episódio, e nos presentou com uma digna refilmagem de “Star Trek”. Mas Abrams sabe que o bom entretenimento que já proporcionou ao público não é tão relevante quanto o que Spielberg propiciou décadas atrás. Ele mesmo teve sua infância e adolescência marcada por experiências cinematográficas que mexiam com o imaginário da audiência, exibindo invasões alienígenas e fazendo de monstro caolho alguém cheio de sentimentos.

Por isso, opta por transportar inteiramente todo o universo dessas obras para seu longa-metragem. O objetivo é soar retrô mesmo, tanto técnica quanto narrativamente. E como ele alcança inúmeros êxitos! O maior deles, sem dúvidas, é a relação entre os quatro garotos. Há uma inocência pura nos olhos de Joe, Charles (Riley Griffiths), Cary (Ryan Lee) e Martin (Gabriel Basso). São meros meninos com câmeras, microfones, pirotecnias e maquiagens nas mãos, interessados em fazer seu próprio filme, contribuindo cada um com seu “talento”. E por acaso, uma aventura surge no destino deles, decidindo encararem-na com o mesmo humor e medo, permitindo até se apaixonarem.

Entre vômitos de Martin, bombinhas soltadas pelo zumbi oficial do filme, Cary, e escolhas estapafúrdias de direção de Charles, Abrams inclui uma bela história de amor que jamais soa precipitada ou estúpida. Ele encontra o tom certo para fazer Joe e Alice se conhecerem gradualmente e fazerem uma paixonite nascer, aumentando ainda mais a afeição do público pelo protagonista, um menino calado, amável e cheio de dons, mas que não deixa de se comportar como um rapaz de sua idade. A super talentosa Elle Fanning faz o mesmo por Alice, dando-lhe ainda uma doçura extra que justifica a razão de ser uma das mais populares da escola entre os meninos. Como esposa do delegado, no curta dirigido por Charles, ela também destaca-se, sendo responsável por uma mágica e engraçada cena de choro.

A mesma personagem também faz parte do núcleo dramático da narrativa, que envolve os motivos da morte da mãe de Joe. Optando por dar respostas com o passar da trama, Abrams abre espaço para uma redenção e reconciliação que dão um ar mais maduro à história, mas sem grandes adensamentos que desviariam do propósito da produção. Há ainda lugar para coadjuvantes com funções unicamente cômicas, como a irmã de Charles, desesperada pela autorização da mãe para sair com roupa curta, e o atendente da loja de revelações de filmes que curte ficar chapado. É igualmente gratificante perceber que certos diálogos efêmeros encontram respostas no ato final, causando ainda mais risos.

O mistério é bem construído. Abrams escolhe um suspense comedido para esconder o rosto de seu “vilão” e proporcionar sequências apreensivas (uma delas até lembra “Jurassic Park”). Pistas são distribuídas ao longo dos dois primeiros atos, revelando a natureza da trama aos poucos, com direito a vídeo à la “Lost”, série criada pelo diretor. Apenas não espere ser surpreendido como na sequência final de “Contatos Imediatos” ou se emocionar como em “ET”. Aqui se encontra a fraqueza de “Super 8”: os vinte minutos finais não são tão recompensadores como deveriam. A impressão é de que um pouco de originalidade poderia ter sido incluído.

Tecnicamente, o filme é especial ao reconstruir o mundo de Spielberg. A direção de arte se responsabiliza pelo vilarejo de aspectos oitentistas. A trilha de Michael Giacchino dá leveza à trama, apesar de não criar tema marcante como os de John Williams. A fotografia o ilumina com notória dedicação e atenção à magia que deve proporcionar, levando-nos ao êxtase com as panorâmicas sobre Lilian. J. J. Abrams os orquestra com o talento de um diretor apaixonado por sua profissão e comprometido com a arte de um ídolo de toda uma geração, fazendo o seu melhor filme e, definitivamente, um dos mais divertidos dos últimos anos.

P.S: Não saia do cinema antes dos créditos finais. Seu humor agradece!

Darlano Didimo
@rapadura

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