Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

500 Dias com Ela (2009): ótima terapia para os românticos sofrendo com corações partidos

O longa passa longe de ser a perfeição anunciada pelo hype descabido, mas acerta em cheio o coração dos apaixonados, sendo esta sua maior força.

“Garoto conhece garota”. Esse é o mote de um número incalculável de comédias românticas, das fenomenais às imbecis. O que pega em tais histórias é que, quase que invariavelmente, os protagonistas destas são almas gêmeas que logo perceberão que foram feitos um para o outro e viverão felizes para sempre.

Vamos e convenhamos, as chances disso acontecer na vida real são as mesmas de ganhar na Mega Sena duas vezes seguidas. Dai veio “500 Dias Com Ela”, fita despretensiosa, roteirizada por desconhecidos e dirigida por um novato que, mesmo mantendo a fé no romance idealizado, mostra uma história mais pé-no-chão.

Tom Hansen é o nosso personagem principal. Vivido por Joseph Gordon-Levitt, Tom é um romântico arquiteto que estacionou na vida, abandonando sua vocação por não se achar bom o suficiente e parado há quatro anos em uma agência de cartões, encontrando modos de outros expressarem seus sentimentos em poucas linhas. Certo dia, o jovem conhece Summer Finn (Zooey Deschanel), a descolada nova assistente de seu chefe que, simplesmente, não acredita em amor.

Com uma “ajudinha” de seus amigos, Tom deslancha um relacionamento com Summer, que acaba terminando em desastre. Durante os 500 dias que sua ligação com a garota durou, o rapaz passa por uma verdadeira montanha-russa emocional, que acompanhamos durante o filme. Aí é que entra o diferencial do longa: não é sobre o romance de Tom e Summer, mas sim sobre os sentimentos dele durante esse período de um pouco mais de um ano.

Como acompanhamos o filme pelo ponto-de-vista de Tom, conhecemos Summer pelos olhos idealizados dele, o que joga boa parte da responsabilidade em fazer o filme crível nos ombros da intérprete da garota. Afinal, se não nos apaixonarmos por ela, toda a película vai abaixo. Nesse sentido, Zooey Deschanel foi uma escolha perfeita. Longe de ser uma bonequinha de luxo hollywoodiana, a atriz é linda de um modo mais “comum”, embora seus olhos sejam simplesmente hipnotizantes.

Além disso, a personalidade direta e extrovertida de Summer casou muito bem com a atriz, lembrando levemente sua personagem em “Quase Famosos”. A soma desses fatores nos faz compreender porque Tom a viu como “a sua escolhida” logo de cara. Por falar no nosso protagonista, a função dele é a de nos representar dentro do filme.

Um tanto introvertido, mas ainda passional, as reações de Tom à medida que o relacionamento entre ele e Summer avança conseguem realizar um elo de identificação entre ele e o público que simplesmente carrega o filme, algo que acontece graças ao carisma e simpatia do talentoso Joseph Gordon-Levitt. Seja nas partes mais alegres ou (principalmente) nas mais melancólicas, muita gente vai se enxergar nos sapatos do escritor de cartões. Ora, quem não chorou, se deprimiu ou se embaraçou por conta do amor de outra pessoa?

Diretor de primeira viagem, Mark Webb abraça a premissa do filme em acompanhar não o casal, mas o contraste entre os sentimentos durante a relação. O recurso da narrativa não-linear foi aplicado justamente para nos fazer navegar de um modo mais interessante por esse verdadeiro mar revolto pelo qual Tom passa durante esses 500 dias. Em mãos menos sensíveis a isso, certamente esse projeto se tornaria apenas mais um na imensidão de comédias românticas por aí.

Webb lança mão de recursos visuais deveras interessantes para nos mostrar o interior do coração de Tom, como dividir a tela entre as expectativas e a realidade do protagonista em relação a uma situação e também “apaga” o mundo de Tom quando este aparentemente se vê no fundo do poço. Algumas cenas, que podem ser um tanto quanto “surreais” demais, como a musical ou o sonho de Tom, são relevantes para nos mostrar o estado de espírito do rapaz, com tais sequências citadas servindo até como contraponto uma para a outra.

Outro momento de destaque são os depoimentos de Tom em relação a certas características de Summer durante diferentes dias do relacionamento, mostrando como o ponto de vista de alguém em relação à outra pessoa pode mudar, dadas as circunstâncias. No entanto, Webb também escorrega em determinados pontos.

Dentre tais problemas temos a narração, que se mostra intrusiva por algumas vezes, simplesmente falando o óbvio em certos momentos. Já uma sequência na qual alguns personagens falam um pouco sobre o amor soa, se não totalmente inútil, deslocada em meio à narrativa. Tratam-se de pecadilhos que ocorrem durante o filme que, considerando a inexperiência do cineasta, são perfeitamente compreensíveis.

Mais um belo acerto do longa é a sua trilha sonora, que casa perfeitamente com a trama. Considerando que uma das coisas que aproxima Tom e Summer é o amor dos dois pela música pop, a trilha realmente teria de ser escolhida a dedo. A direção de arte e os figurinos do filme também estão de parabéns, nos ajudando a adentrar e acreditar no mundo daqueles indivíduos.

Embora não seja a oitava maravilha do mundo como alguns indies de plantão conclamam, “500 Dias Com Ela” é sim um belo filme, assim como uma ótima terapia para os românticos sofrendo com corações partidos.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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