Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 12 de setembro de 2006

Doom: A Porta do Inferno

A adaptação para as telas do famoso game "Doom" deixa a desejar pelo roteiro extremamente vazio, e deve agradar apenas aos fãs do game por identificar muitos detalhes presentes no filme, como determinados monstros e armas. Salvo algumas boas cenas de ação, a seqüência em primeira pessoa vale pela curiosidade.

Para quem tinha computador em meados dos anos 90, "Doom" dispensa apresentações. Antes dessa febre de jovens passarem horas se divertindo em lan houses jogando jogos de tiro em primeira pessoa – vide "Counter Strike" e afins -, "Doom" foi um dos pioneiros nessa moda, despertando o gosto por esse estilo de jogo. Sucesso absoluto entre os gamemaníacos, o game de tiro já está em sua terceira edição, e agora entra nessa onda de adaptações de games para os cinemas. Todos sabem que adaptar jogos sempre foi algo decorrente no mundo cinematográfico, mas o resultado final ser satisfatório, já é outra história. Já surgiram diversas bombas como "Double Dragon", "Street Fighter – O Filme", "Super Mario Bros", "Alone in the Dark", "House of Dead"… produções medianas como "Mortal Kombat", os dois "Resident Evil"… e agora, "Doom" aparece, nitidamente sem nenhuma pretensão de querer inovar nesse quesito de qualidade, se tornando apenas mais uma nessa já enorme lista. Não chega a ser um desastre total, afinal, ele tem seus pontos positivos, mas nada que faça alguém delirar com o resultado final.

Na trama, algo estranho aconteceu em uma estação espacial localizada em Marte. A tripulação local entrou em estado de quarentena antes da comunicação com a Terra ser bruscamente interrompida. Para investigar o caso é enviada uma equipe especialmente treinada para resolver problemas inesperados, que exijam que seus integrantes entrem em ação o mais rápido possível. Liderados pelo impetuoso Sarge (o brutamontes The Rock, de "Bem-Vindo à Selva"), eles têm que lutar para que as forças do mal não tomem o controle do lugar. Karl Urban (o Éomer de "O Senhor dos Anéis") vive John Grimm, um dos militares responsáveis pela base, em cuja equipe se encontra Samantha (Rosamund Pike de "O07 – Um Novo Dia Para Morrer"), sua irmã. Como foram separados após o acidente que matou seus pais, eles não têm muita intimidade.

Como era de se prever, toda a história não passa de uma desculpa para as aparições dos monstros, e se dá início aos intermináveis tiros com armas para lá de vistosas. Tudo bem, essa é a essência do game, e quando se assistimos a um filme do estilo, nunca esperamos genialidade no roteiro, mas "Doom – A Porta do Inferno" exagera na superficialidade, tanto que tropeça feio na tentativa de criar alguma carga emocional na trama. Em meio a monstros e tiros, há uma pseudo-história por trás, mas tudo não passa de tapa buraco. O drama psicológico do personagem John Grimm relacionado a morte de seus pais – e, conseqüentemente, sua difícil relação com sua irmã -, nunca chega a ser mostrado de uma maneira construtiva pelo roteiro. Esperamos durante todo o filme que esses detalhes sejam aprofundados e que, finalmente, tenham alguma importância para a trama. Quando chegam os momentos finais do longa, quando finalmente esperamos que algo aconteça, sobem os créditos e nos vem aquela sensação de termos sido feitos de bestas por aguardar sentido em algo que se inexistisse na trama, o filme sairia igual.

Vale ressaltar a má construção dos personagens, impedindo os atores de criarem alguma personalidade para eles, sendo apenas meras peças num jogo de matança (afinal, o jogo é assim). O protagonista vivido por Karl Urban (que mais parece um Colin Farrell menos canastrão e menos talentoso), se fosse aprofundado seu lado psicológico, certamente seria um personagem muito interessante, mas, no caso, chega a soar ridículo. O que dizer de diálogos piegas, como os que ele tem com sua irmã? Em um deles, ele diz: "Eu não sou tão bom assim. Já fiz algumas maldades". E ela genialmente responde: "Lógico que é bom, você é meu irmão". Pior ainda é ela comentando decepcionada por ele não ter seguido a profissão de arqueólogo do pai: "Ao invés de ele olhar pelas lentes de um microscópio, passou a vida olhando pelas lentes de uma mira". Puxa, emocionante não?? Já o personagem de The Rock (que, diga-se de passagem, está horrível, parecendo ter gravado todas as suas cenas em uns dois dias) também seria bastante interessante se fosse melhor aproveitado, de modo que sua mudança brusca de personalidade não é bem explicada. De resto, o que vemos são apenas estereótipos mais do que batidos que caracterizam uma equipe de combate. Estão lá presentes o negro fortão, o idiota que só pensa em sexo, o menino que se mostra empolgado por estar em sua primeira missão… ah, e eles também consomem drogas gratuitamente. Criatividade mil!

Bom, a sorte é que, nesse estilo de filme, falhas de roteiro não é a primeira coisa visada pelo público alvo, senão o resultado seria bem pior. Detalhes como o fato de a cientista vivida por Rosamund Pike descobrir em questão de 10 segundos (!) o critério usado pelos monstros em transformar ou não suas vítimas em mais monstros passam batidos. Para quem curte ver muita ação, isso tem de sobra. Tiroteios à vontade, monstros bizarros, sangue de sobra, efeitos especiais eficientes – mas nada que vá muito além do discreto, pois na luta entre os personagens de The Rock e Karl Urban no final, quase dá até para ver os cabos que seguravam os atores -… tudo isso está presente para satisfazer a quem procura unicamente diversão com muito movimento. Os fãs do game em especial certamente sentirão um prazer a mais por identificar no filme diversos detalhes retirados fielmente do jogo. Sem dúvida é uma diversão extra ficar identificando muitos monstros existentes no game, as nanoparedes, e algumas armas – incluindo a idolatrada BFG (batizada pelos fãs como "Big Fucking Gun").

Há uma certa seqüência de cerca de cinco minutos no filme que foi com certeza a mais aguardada por todos os fãs: a ação em primeira pessoa, igual ao modelo do game. Sem dúvida, este é mesmo o melhor momento do longa, e não deixa de ser algo inovador no mundo do cinema, visto que tal estratégia nunca fora utilizada antes. O que se vê em cena é quase uma transposição do jogo para as telas (ainda que pareçamos estar jogando no "Level Easy"), com diferenças mínimas. Para quem é viciado nesse estilo de jogo, se sentir na pele do protagonista matando os monstros é uma sensação muito prazerosa. Pena tanto marketing ter sido feito em cima dessa única cena – simplesmente o trailer, pôster, várias fotos revelaram detalhes desses únicos cinco minutos – quebrando um pouco o impacto, a sensação de novidade.

Enfim, "Doom – A Porta do Inferno" é, para os que nunca jogaram uma partida sequer do game, uma diversão passageira, recheada de ação, e com um roteiro medíocre e cheio de gafes. Para os admiradores do famoso jogo, provavelmente a satisfação será um pouco maior por identificar alguns pontos interessantes, mas, no fim das contas, tudo não passará de mais uma esquecível adaptação do mundo dos games para as telas. Game Over!

Thiago Sampaio
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