Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 10 de março de 2016

Zoolander 2 (2016): comida requentada

Menos rebelde e bem menos inteligente que o de 2001, a continuação deixa a desejar ao atenuar o viés transgressor e as críticas ácidas ao mundo da moda.

zoolander-2-posterProdutor, roteirista, diretor e protagonista: este foi Ben Stiller em “Zoolander”, comédia de 2001 com pegada cult e estilo muito próprio. Stiller vinha tentando alavancar uma continuação, que chegou apenas em 2016, prometendo repetir a fórmula – isto é, dar aos espectadores comida requentada. O problema é que a comida requentada raramente tem a mesma qualidade da comida fresca, justamente por faltar-lhe o frescor.

Em 2001, Derek Zoolander (Stiller) é escolhido por Mugatu (Will Ferrell) como instrumento para cometer um assassinato – e essa narrativa era pretexto para a elaboração de críticas concernentes ao mundo da moda. A continuação se preocupou com o passar dos anos, fazendo um apanhado sucinto sobre os fatos pretéritos – portanto, é interessante (re)ver o anterior. Agora, Zoolander é procurado por uma agente da Interpol, Valentina (Penélope Cruz), para auxiliar em uma investigação em que ele poderia ser fonte útil. Como ele está desaparecido, ela só o encontra porque ele aceita participar de um novo desfile, comandado por Alexanya Atoz (Kristen Wiig).

A icônica trilha sonora se esvaiu, assim como a rebeldia da narrativa. Não se pode negar que o plot é um pouco mais sofisticado e denso, indo além do maniqueísmo do primeiro: no longa anterior, o espectador era onisciente, sendo conhecido o grande vilão; agora, há maior mistério. Por outro lado, há muita repetição: participações especiais inusitadas (de Susan Boyle a Marc Jacobs), sem olvidar as personagens principais (Hansel, Matilda, Mugatu, Katinka), referências a clássicos (“O Silêncio dos Inocentes” e “Star Wars”) e, evidentemente, a sátira à realidade das passarelas – é aqui que reside, porém, o maior deslize do roteiro. O primeiro era uma comédia transgressora (no bom sentido); o atual foi muito suave nas críticas ao universo fashion. O ponto nodal é: em 2001, a preocupação era divertir e criticar; agora é fazer rir, ou seja, o objetivo é mais modesto, perdendo aquela ambição.

Também não se pode negar empenho na elaboração do roteiro, que ganhou amplitude maior ao mencionar elementos cotidianos atuais (Instagram, Uber, Netflix, bullying etc.), expondo a temporalidade do humor (com referências aos novos celulares e à preocupação ambiental, por exemplo). Contudo, ele se perde nas subtramas, todas frágeis. Hansel (Owen Wilson) tem mantida a sua personalidade zen – a apologia à zoofilia merece ser ignorada para privilegiar a defesa do poliamor –, mas sua relação com Derek é marginalizada. A relação de Zoolander com seu filho Derek Jr. (Cyrus Arnold) é extremamente artificial e surge apenas quando conveniente – a antipatia do ator mirim não ajuda. Penélope Cruz tenta tornar Valentina interessante, mas ela acaba sendo o símbolo rotineiro da mulher como objeto sexual (enquanto que o protagonismo é masculino). Cabe reiterar, ainda, a retirada do foco da moda, submersa diante de tantos assuntos e renegada a piadas esparsas, descaracterizando a história em seu âmago.

Em termos de atuação, não há muito que ressaltar, pois apenas dois atores tiveram modificações. De um lado, Ben Stiller faz uma interpretação muito inferior à de 2001, e a personalidade frágil de Derek não serve de justicativa. Porém, Will Ferrell ganha maior espaço, fazendo de Mugatu um excelente vilão (a única grande virtude da película). Uma interpretação caricata, quase farsesca, mas coerente com a proposta. Ferrell é o que há de melhor em “Zoolander 2”. Quanto à participação de Benedict Cumberbatch… ele é um ator brilhante, mas a inserção da personagem Tudo (sim, é este o nome) foi de péssimo gosto e ofensivo em relação à transexualidade.

“Zoolander 2” perde seu norte ao traçar um caminho tortuoso que não atenta tanto para a moda. Abraça vários temas para obter mais risadas. E é mais engraçado – mas muito menos inteligente. Stiller perdeu a rebeldia que outrora teve em relação ao tema que deveria ser central. Melhor não ter um terceiro.

Diogo Rodrigues Manassés
@diogo_rm

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