Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 10 de março de 2014

Tudo por um Furo (2013): a volta de Ron Burgundy é uma ótima notícia

Will Ferrell e Adam McKay se reúnem pela quinta vez e não decepcionam.

Em 2004, o mundo conheceu o apresentador de telejornal Ron Burgundy. Criado e interpretado por Will Ferrell, sob a batuta do diretor Adam McKay (que depois se tornou seu colaborador habitual), Ron era o líder da “equipe de notícias” mais improvável possível. Apesar de seus exageros e histrionismos, o carisma de Burgundy o transformou em âncora do mais importante canal de San Diego, além do casamento com seu antigo desafeto, Veronica Corningstone (Christina Applegate).

“Tudo Por Um Furo” (mais um exemplo do “talento” dos distribuidores brasileiros para adaptação dos títulos de filmes) conta o que aconteceu nove anos depois disso. No final da década de 1970, Ron está no topo da carreira, curtindo o sucesso ao lado da esposa e do filho (Judah Nelson), agora em Nova York. Porém, depois de uma briga por conta da promoção de Veronica na emissora, ele pede demissão, volta a beber e parte em busca de outros empregos em sua cidade natal.

Depois de mais um fracasso, agora como apresentador do espetáculo de golfinhos do Sea World (cujo slogan do patrocinador do evento é um brinde sutil à inteligência do espectador) Ron chega ao ponto de tentar o suicídio. Mas, ao falhar até nisso, ele é resgatado por Freddie Shapp (Dylan Baker), um representante de um novo canal de notícias, que tem a ousada proposta de criar um canal que transmita notícias 24 horas por dia e está montando seu corpo de profissionais.

A única exigência que o âncora faz para aceitar o trabalho é poder reunir sua equipe de confiança: Champ Kind (David Koechner), responsável por esportes, que hoje possui uma rede de lanchonetes; Brian Fantana (Paul Rudd), responsável por conseguir novas matérias, que hoje é um renomado fotógrafo de gatos; e Brick Tamland (Steve Carell), responsável por notícias meteorológicas, apesar de ser alguém completamente estúpido, encontrado fazendo um discurso em seu próprio funeral.

O roteiro, escrito pelo próprio diretor em conjunto com Will Ferrell, é um contínuo desfile de aberrações nonsense, tão característicos das comédias da dupla (“Ricky Bobby”, “Quase Irmãos” e “Os Outros Caras”). Porém, ao contrário de outras obras rasteiras, o nível de humor é perfeitamente coerente com a personalidade e características dos personagens. Dessa forma, quando vemos, por exemplo, o desconforto de Burgundy em ter que trabalhar para Linda Jackson (Meagan Good), uma mulher negra, não rimos por concordar com aquilo, e sim por acreditarmos que ele realmente seja capaz de atitudes como aquelas. O mesmo ocorre na aposta com Jack Lime (James Marsden) ou nos devaneios de Brick, como na cena que contém a previsão do tempo mais engraçada da história.

Além disso, a narração em off marcante de Bill Kurtis ajuda a reforçar o roteiro em suas críticas à sociedade atual (mesmo com uma história que se passa há mais de 30 anos), ao mostrar as reações dos personagens a ideias que sabemos o resultado, como o próprio canal exclusivamente voltado a notícias, um programa chamado “Matadores de Mulheres”, estrelado por OJ Simpson; ou os rumos do “jornalismo-espetáculo” e a manipulação de notícias a serviço de interesses escusos.

Infelizmente, o filme se perde um pouco em seu segundo ato, ao impor ao protagonista uma limitação física apenas com o intuito de promover uma reviravolta desnecessária. Tal artifício se mostra ineficaz, além de quebrar o ritmo da projeção de forma quase irreversível. O “quase” se deve unicamente ao carisma de Will Ferrell e sua equipe. O ator mostra todo o seu talento para o humor, além de um incrível conforto e domínio de seu personagem. A cena do jantar, quando ele tenta se entrosar com a família de Linda, é impagável. Portanto, ainda que todos a seu redor tenham seus momentos para brilhar (como na divertidíssima cena de confronto entre as emissoras), ele é verdadeiramente o grande destaque da fita.

Adam McKay consegue em “Tudo por um Furo” elevar a um novo patamar o nível do humor físico, quase pastelão, do primeiro filme e preserva a lenda de Ron Burgundy em nossos sorrisos e nossos corações.

David Arrais
@davidarrais

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