Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Na Natureza Selvagem

"Na Natureza Selvagem" conta uma história real sobre ideais, busca por uma vida melhor e liberdade, apresentado de uma maneira maravilhosa e com um elenco de tirar o chapéu.

Em junho de 1990, Christopher Johnson McCandless se formou, com distinção, na Emory University, em Atlanta. Vindo de uma família rica de Washington, excelente aluno, ótimo atleta, com vasta experiência em trilhas e expedições a terrenos inóspitos, Chris tinha um futuro promissor à frente. A não ser pelo fato de que, nesse mesmo mês, ele decidiu doar todo o dinheiro de sua poupança (um total de 24.000 dólares), destruir seus documentos, queimar o dinheiro que tinha em sua carteira e desaparecer. Pouco mais de dois anos depois, seu corpo em decomposição foi encontrado por um grupo de caçadores de alce no Alasca.

Pouco após esse acontecimento, o escritor e jornalista Jon Krakauer (autor de "No Ar Rarefeito") recebeu a tarefa de escrever uma reportagem sobre Chris e todo o enigma que envolvia sua história. Com os dados que conseguiu coletar através do que foi encontrado junto ao corpo do jovem (diários, livros com diversos trechos grifados e filmes fotográficos), ele escreveu um artigo de 9 mil palavras que foi publicado em janeiro de 1993 na Revista Outside. Porém, mesmo após a publicação de seu artigo, Krakauer continuou profundamente envolvido com a história de Chris McCandless. Quem era ele? Por que decidiu largar tudo e ir se aventurar pelo país? Assim, Krakauer passou mais de um ano refazendo o trajeto do jovem, conversando com as pessoas que o conheceram, tentando entender suas motivações. Toda essa experiência resultou em um livro chamado "Na Natureza Selvagem".

Após ler o livro escrito por Krakauer, Sean Penn ("Sobre Meninos e Lobos") viu grande potencial para a realização de um filme a partir dele, mas apenas 10 anos depois de ter essa idéia foi que ele conseguiu a concessão da família McCandless. Ao ter a autorização da família, Penn começou a trabalhar com o roteiro imediatamente e ainda virou um dos produtores e o diretor do longa.

O filme começa mostrando Chris McCandless chegando ao Alasca e seus primeiros dias por lá até encontrar o 'ônibus mágico'. Depois a história começa a ser exibida em ordem cronológica e vemos Chris recebendo seu diploma, almoçando com a família, onde fica claro que sua relação com seus pais é conturbada, e indo embora sem dar satisfação a ninguém. A partir disso, acompanhamos a peregrinação do destemido jovem, as cidades por onde passou, as pessoas que conheceu, como elas afetaram sua vida e como foram afetadas por ele. Durante toda a película, cenas dos últimos meses de vida do protagonista no Alasca são intercaladas com a história que mostra como ele foi parar lá.

"Na Natureza Selvagem" exibe uma fotografia de tirar o fôlego, mesmo para os mais apegados a cidades grandes. Dakota do Sul, Arizona, Califórnia e Alasca são alguns dos lugares pelos quais Chris passou e que foram belamente retratados no filme.

Porém, o maior mérito ainda fica para o elenco. Começando pelo protagonista Emile Hirsch ("Os Reis de Dogtown") que foi, injustamente, deixado de fora da categoria melhor ator do Oscar deste ano. Considerado um jovem com uma carreira promissora em Hollywood, Hirsch nos cativa e emociona durante as duas horas de exibição com sua maravilhosa encarnação de Chris McCandless. Interpretando seus pais, Walt e Billie McCandless, vemos os vencedores do Oscar William Hurt ("Instinto Secreto") e Marcia Gay Harden ("O Vigarista do Ano") que, como sempre, apresentam uma atuação convincente e sensibilizadora. Jena Malone ("Orgulho e Preconceito") também se saiu muito bem com o papel de Carine McCandless, querida irmã de Chris, e narradora.

Os atores que interpretam as pessoas que o jovem andarilho conheceu durante seus dois anos de estrada são vividos por novatos e veteranos, todos com ótimos desempenhos. Dentre eles, temos Vince Vaughn como Wayne Westerberg, amigo que Chris conheceu na Dakota do Sul e de quem se tornou muito próximo; Catherine Keener como a hippie Jan; e Brian Dierker, especialista em corredeiras e em Grand Canyon que coordenou as cenas de água do filme e foi convencido por Sean Penn a trabalhar como ator pela primeira vez e dar vida a Railey, parceiro de Jan. Kristen Stewart interpreta Tracy, adolescente ingênua de Slab City que se apaixona por Chris.

O destaque absoluto vai para Hal Holbrook ("Cine Majestic"), que vive Ron Franz, último amigo que Chris conhece antes de partir para o Alasca. Um senhor gentil, porém isolado da sociedade por espontânea vontade, Ron Franz é, provavelmente, o que mais se envolve e se apega a Chris. Apesar de ser um relacionamento pouco convencional, a troca de conhecimentos, ideais e sentimentos entre o idoso muito calejado pela vida e o jovem aventureiro e sedento por novas experiências resulta numa bonita amizade fortalecida por um carinho muito verdadeiro que pode ser visto nos olhos azuis e lacrimejantes de Holbrook. Presente nas cenas mais emocionantes do filme, o consagrado ator foi merecidamente indicado ao Oscar de melhor ator coadjuvante.

A trilha sonora é tão bem elaborada quanto o filme. Compostas e interpretadas por Eddie Vedder, vocalista da banda Pearl Jam, as 11 músicas do CD se encaixam perfeitamente com a história e acentuam bastante as sensações geradas, imagens, situações e personagens.

O filme apresenta uma história verídica, comovente e que gera muita reflexão sobre o quanto podemos levar uma vida insignificante se não soubermos como vivê-la. Apesar dos divergentes pontos de vista, muitos vêem Chris McCandless como um herói, por ter tido coragem de correr atrás do que queria, por seus princípios morais e, principalmente, por sua paixão pela vida. É irônico que o resultado dessa busca por sua verdadeira personalidade tenha tão tragicamente resultado na sua morte. "Na Natureza Selvagem" proporciona uma experiência agradável, emocionante e única, e deve ser visto pelo menos uma vez.

Cristiane Fernandes
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