Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 02 de julho de 2007

Ratatouille

“Ratatouille” chega aos cinemas sem a força do marketing de "Shrek Terceiro", mas o trabalho dedicado e o talento da Pixar garantem o que promete ser a melhor animação do ano. A história do rato que sonha em ser chefe de cozinha diverte e emociona a adultos e crianças. Qualidade em animação, roteiro bem amarrado e protagonista cativante são os trunfos desta produção.

Sem maiores estardalhaços e investimentos pesados de marketing, chega aos cinemas a mais nova parceria entre a Pixar, responsável pela criação, e a Disney, dona da distribuição. “Ratatouille” (lê-se Ratatui) conta as desventuras do rato Remy (na versão original dublado por Patton Oswalt) na luta por realizar seu maior sonho: tornar-se um chefe de cozinha.

Remy vive com sua família em uma colônia de ratos sobre o telhado de uma senhora. Enquanto os outros se conformam com qualquer porcaria encontrada no lixo, ele utiliza seu talento em distinguir aromas e sabores para selecionar tudo do bom e do melhor. Fã do famoso dono de restaurante Auguste Gusteau (Brad Garret), também autor do best-seller “Qualquer Um Pode Cozinhar”, o ratinho passa a invadir a cozinha da velha em busca de ingredientes para deixar suas refeições mais dignas e saborosas. Descoberto pela dona da casa, Remy arma a maior confusão obrigando toda a comunidade de roedores a ir embora dali.

No esgoto, o aspirante a chefe acaba se perdendo dos outros. Aconselhado pela sua consciência na forma de seu ídolo, vai parar justo na sede de seu antigo restaurante. O Gusteau’s já foi o maior estabelecimento de Paris, mas após uma crítica negativa e da morte do proprietário amarga três meras estrelas na cotação dos especialistas. Lá, Remy conhece Linguini (Lou Romano), o garoto do lixo que precisa provar ao sous-chef Skinner (Ian Holm) que pode cozinhar. Ajudado pelo pequeno animal, ele tornar-se-á o mais badalado nome do mundo gastronômico. A saída encontrada para esse auxílio parece forçada, mas funciona bem em cena e garante boas risadas à platéia.

Vindo da Pixar, é de se esperar excelência em todos os aspectos da criação. Da animação ao roteiro. Partindo da premissa básica do protagonista que precisa provar aos seus o seu valor e, assim, realizar os seus sonhos, a Pixar conseguiu criar uma nova história com argumento interessante e desenvolvimento acertado. Quanto aos personagens, o filme pode ser dividido em três momentos. No primeiro deles, a colônia de ratos é o centro das atenções. Na segunda parte, os humanos da cozinha do Gusteau’s ganham destaque, e no terceiro momento as duas espécies dividem o foco. Três são também os atos do desenvolvimento narrativo da história. A tentativa de Remy em tornar-se chefe, a conquista do Gusteau’s por Linguini e a luta final pelo sucesso do restaurante após a debandada de seus funcionários.

Diferentemente de outras animações, todas as atenções estão voltadas para o protagonista. Enquanto em longas como “Procurando Nemo” os personagens centrais são adorados, mas os coadjuvantes roubam a cena, em “Ratatouille”, Remy ofusca todos os outros. Não que os seus companheiros de cena não tenham graça, e o tem. Muita. Mas o ratinho se sobressai até quando o atrapalhado Linguini é alçado ao posto de protagonista. Não importa se narrando ou atuando apenas com gestos e expressões faciais, já que os ratos não podem falar com os humanos, o longa é todo dele.

Acertando no tom da comédia, “Ratatouille” segue a tendência e aposta em um vilão cômico. O baixinho Skinner é destaque sempre que aparece na tela.

Tecnicamente falando, então, não podemos reclamar de nada. Conhecidos pelo trabalho de pesquisa árduo, os animadores da companhia estudaram mais de 270 tipos diferentes de comida, fizeram um estágio de dois dias em uma cozinha para observar seu funcionamento e tiraram mais de 4500 fotos da cidade de Paris. O resultado é uma das mais belas vistas da cidade-luz já vistas em toda a história do cinema. E falo também de cinema em live-action.

A trilha sonora pode parecer uma tentativa americana de sublinhar a cultura francesa, mas funciona bem acompanhando a ação em todas as suas nuances, dos momentos mais tensos aos mais sensíveis. Aliás, todo o trabalho com o som é formidável. Os efeitos sonoros nos permitem ouvir os passinhos de Remy pelas ruas da cidade.

Criando cenários muito próximos dos reais, o maior trunfo da produção em termos de solução visual é o momento usado para descrever as sensações dos gostos proporcionados pelos diferentes alimentos. A profusão de imagens e cores e as lembranças despertadas pelo paladar conseguem transmitir perfeitamente os sentimentos dos personagens.

Ao final, “Ratatouille” ainda faz uma brincadeira com os críticos e afirma que esses profissionais acabam destruindo trabalhos por pura diversão. Trabalhos, que apesar de miseráveis, ainda são superiores a essas críticas. Entretanto, o filme reconhece a importância de se ter coragem em apostar as fichas em um trabalho de um desconhecido e reconhecer verdadeiras obras-primas. Talvez soe pretensioso, mas felizmente a Pixar está podendo.

Igor Vieira
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