Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 08 de abril de 2007

Caixa Dois

Lavagem de dinheiro, subornos e trambicagem. Temas tão freqüentes em nossos telejornais agora ganham as telas nessa "Caixa Dois". Com um ritmo leve, o filme é uma produção simpática com um enredo divertido, conseguindo agradar e fazer pensar na hipocrisia do velho e bom "jeitinho brasileiro".

Bruno Barreto, após o ótimo "Bossa Nova", vinha meio que numa espiral decrescente. Após o hollywoodiano demais "Voando Alto", onde nem se vê a mão do diretor com o excesso de interferência dos produtores, veio o fraquinho "O Casamento de Romeu e Julieta". Porém o diretor mostra sinais de recuperação com esse bom "Caixa Dois". Baseado na peça homônima de Juca de Oliveira (a qual, confesso, nunca tinha ouvido falar), o filme conta, em tom de sátira, uma história envolvendo um banqueiro, seu assistente, sua secretária e um bancário dedicado e sua família. Ah, e um cheque de cinqüenta milhões de reais!

A maracutaia começa em Brasília (obviamente). Romeiro (Cássio Gabus Mendes), formado em Harvard e fiel assistente do poderoso banqueiro Luiz Fernando (Fulvo Steffanini), foi apanhar um cheque com Carlão (Zedú Neves), no valor de R$ 50 milhões, que será utilizado (sem ser depositado) na lavagem de dinheiro público que vai engordar a já polpuda conta bancária de Luiz Fernando num paraíso fiscal (e uma merrequinha de 2 milhões para Romeiro). Tudo ia correndo bem para os trambiqueiros, quando Carlão sofre um derrame, obrigando-os a depositar o cheque para botarem as mãos no dinheiro. Mas tem um porém: como vão justificar para o Imposto de Renda essa quantia absurda? A resposta vem na forma da secretária do inescrupuloso banqueiro, Ângela (Giovana Anotnelli) e de um prêmios inexistentes da mega-sena e de um negócio fantasma.

Enquanto isso, somos apresentados a Roberto (Daniel Dantas), dedicado gerente de uma das agências do banco de Luiz Fernando que crê completamente na imagem de idoneidade passada pelo patrão. Honesto e trabalhador, o bancário é o completo oposto do banqueiro. Sua esposa, Angelina (Zezé Polessa), é uma professora apaixonada pelo seu trabalho, enquanto Henrique (Thiago Fragoso), o filho do casal, é um estudante de informática um tanto relapso, mas bom no que faz (do seu jeito) e, por uma incrível coincidência, namorado de Ângela. Aliás, a coincidência é a força motora do filme. Por um erro de Romeiro, o dinheiro acaba caindo na conta bancária de Angelina. Em qualquer outro dia, Angelina faria o estorno da quantia sem pestanejar. Mas, justamente nesse dia, Roberto e outras centenas de funcionários do banco foram demitidos, graças a um programa novo de computador capaz de fazer seus serviços. Agora, com essa bolada em jogo, o caráter de todos é posto a prova, valendo muito bem o slogan do filme: "enquanto uns têm seu preço, outros não valem nada".

Com sua curta duração (o que ajuda a acelerar o ritmo da produção), o filme vai direto ao ponto na história, sem perder muito tempo com pormenores. Cada uma de suas cenas (a exceção da abertura chinfrim, feita em animação) tem sua função, seja estabelecer o caráter dos personagens ou suas intenções como, por exemplo, nas diferenças entre as vidas do banqueiro e do bancário, que são mostradas num ótimo paralelo na introdução do filme, ou quando Roberto vê a "primeira enxada" de Luiz Fernando e seus olhos se enchem de adimiração. A exceção fica na amargura de Romeiro por ver onde foi parar, mesmo sendo "diplomado em Harvard", que é colocada mais vezes que o necessário (somente a cena do personagem com o cachorro – apesar de uma inserção de marketing extremamente forçada – daria conta de mostrar o sentimento do personagem). Além disso, graças ao tom de sátira imposto ao filme, as coincidências, apesar de um tanto exageradas, não soam forçadas demais, até porque são notadas pelos próprios personagens.

Mas, como não poderia deixar de ser numa adaptação de uma peça, o grande trunfo do filme é o seu elenco – bom, a maior parte dele. Fulvo Stefanini (sem ironia) rouba o filme. Seu personagem, Luiz Fernando, é um picareta de mão cheia. Ganancioso e interesseiro, o personagem é um poço de hipocrisia e dubiedade e o ator o interpreta de maneira tão descontraída que até simpatizamos com ele. Não tem como não rir na cena da ligação de "LF" aos colegas de maracutaia para limpar o dinheiro, ou na gravação do comercial. Não posso deixar de citar a cena onde toda a malandragem de Luiz Fernando se faz necessária: o confronto entre o banqueiro e Roberto. Por falar no bancário, Daniel Dantas faz muito bem seu trabalho, sendo o elo de ligação da classe média com o filme. O contraste entre sua alegria em ir trabalhar no começo do dia e desespero ao ser demitido apesar de 25 anos de dedicação ao banco, logo nos remete a algum conhecido que tenha passado situação semelhante. Cássio Gabus Mendes é outro ator competente no filme, como o assistente do inescrupuloso empresário que se envolve nessa confusão para sair da sombra do patrão. Suas reações em todas as vezes em que é subestimado por, bom, quase todo o elenco do filme são impagáveis. Zezé Polessa realmente transmite a vontade do povo em relação a corrupção. A ironia na sua voz com os seguidos (e absurdos) subornos oferecidos a ela é palatável. Minha única ressalva à atriz é quanto ao forte sotaque por ela impregado em sua caracterização, que incomoda um pouco. Thiago Fragoso fez o que devia em cena, não comprometendo o filme, nem tirando energia de seus companheiros de cena. Enquanto isso, apesar de (inexplicavelmente) seu nome ser o primeiro nos créditos da produção, Giovanna Antonelli é o grande ponto fraco da produção. Inexpressiva, a atriz nem ao menos faz uma boa "secretária gostosa" (sem trocadilho), além de ter pouquíssima química com Stefanini e Fragoso, com quem divide boa parte de suas cenas. Porém, levando em conta que ela já teve atuações bem piores, até que dá para relevar.

Bruno Barreto conduz corretamente o filme, sem ousar demais, nem (ao contrário de seu filme anterior) sendo exageradamente televisivo. Utilizando planos abertos nas cenas de Luiz Fernando e mais fechados nas cenas com o núcleo de Roberto (com exceção da cena em que o bancário percebe a imensidão da sala de seu chefe), ele reforça a diferença entre os estilos de vida do patrão e do empregado (novamente citando como exemplo o paralelo no prólogo, quando os dois personagens vão trabalhar, a imponência o helicóptero de Luiz Fernando e Roberto saindo de casa a pé). Aliás, devo ressaltar o ótimo trabalho da equipe de direção de arte chefiada por Jean-Louis Leblanc, que conseguiu compor muito bem cada cenário do filme. Na equipe técnica, o destaque negativo vai para a trilha sonora composta por José Roberto Eliezer (compsitor que já havia conseguido assassinar a Nona Sinfonia de Beethoven em "Se Eu Fosse Você") que, além de não se mesclar ao filme, incomoda – e muito.

Propositadamente leve, já que objetiva levar ao público um assunto que já é visto de maneira séria todos os dias em todos os meios de comunicação, o filme diverte e critica na medida certa. Apesar de uma falha aqui e acolá (a resolução do longa, apesar de irônica na medida certa, possui um furo de roteiro relativamente grave), é uma ótima pedida.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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