Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 04 de julho de 2007

Em Nome da Honra

Com uma história que prometia muito mais do que o filme apresenta, “Em Nome da Honra” falha em alguns pontos e se torna apenas apresentável, mas muito mais aquém de histórias que chegaram aos cinemas com fatos reais como pano de fundo como “Hotel Ruanda” e o recente “Diamante de Sangue”.

A África recentemente tem se tornado alvo de grandes produções americanas, trazendo um pouco do passado histórico marcado por guerras civis de um país conturbado por uma estabilidade ainda longe de ser completamente encontrada, seja por questões políticas, econômicas ou sociais. O mais novo projeto que traz como pano de fundo os problemas políticos da África do Sul é “Em Nome da Honra”, do diretor Phillip Noyce.

O filme, que tem base em fatos reais, é uma espécie de cinebiografia de Patrick Chamusso, um operário da refinaria de Seconda, esposo atencioso, pai de duas filhas, e em seu tempo de folga ainda serve como treinador do time masculino de futebol formado somente por crianças. Em 1980, a briga entre os negros e os brancos para o fim do “apartheid” era acirrado e atentados explodiam por toda a África do Sul. É nessa época que ele é preso por engano, acusado de fazer parte do grupo de libertadores da África e responsável por um atentado que resultou em uma explosão na refinaria onde trabalhava. Torturado, maltrado, ele passou meses desaparecido até confirmarem que não era o responsável por tal atentado. Revoltado pela forma como foi tratado, o protagonista resolve abandonar sua família e entrar para o grupo de rebeldes, de forma a realmente batalhar pela liberdade de seu país.

Colonizada primeiramente pelos holandeses e depois pelos ingleses, a África do Sul teve, em seu passado histórico, uma marca de guerras e lutas pelos direitos civis. Um país que primeiramente era habitado por tribos de Khoisan, Xhosa, Zulu, invadida pelos holandeses e explorada, como ponto de apoio de reabastecimento na época ainda das grandes navegações do século XVI e XVII. No século XIX, a África do Sul é basicamente comandada pelos Ingleses. Claro, nesse meio tempo, vieram as primeiras guerras Boers (duas, para ser mais exato), que eram os descendentes de colonos calvinistas da Holanda (ainda da primeira ocupação). Ao final da segunda guerra, o povo bôer, percebendo estar sendo dizimado, assina o tratado de Vereeniging.

Segundo este tratado, o acordo indicava que o governo britânico era soberano a todos os outros governos das repúblicas Bôeres. Além disso, o tratado dizia que os negros não teriam direito de voto. Esses foram os primeiros passos para a independência real da África do Sul que veio acontecer somente 51 anos depois. Porém, daí já se tem uma idéia da situação. Um país onde 75% da população era formada predominantemente por negros vivendo em condições miseráveis, tendo direito a apenas 7,5% das terras, enquanto 25% dos brancos nas terras africanas ficavam com o direito de uso de 92,5% do solo. Também era dito que os negros só poderiam viver fora das suas terras de direito caso empregados pelos brancos. Politicamente, em 1948, essas leis se tornam legalizadas quando o Partido Nacional assume o poder e implementa o Apartheid.

A palavra que dá nome ao novo regime que controlará a população africana provém da língua africana que significa vida separada. Para andar em seu próprio país, os negros precisavam de passes, o que era quase impossível para a maioria deles conseguirem. As principais cidades estavam somente dentro das zonas para os brancos. Claro que ainda assim, tudo tentava ser feito através de atividades pacificas. O Congresso Nacional Africano (ANC), que era o principal braço político das massas africanas, passou a agir de forma violenta após o Massacre de Shaperville, onde 69 negros foram mortos em um ataque da polícia. Esses movimentos são justamente os responsáveis pelas explosões que atingiram ao longo dos anos pela África do Sul, e ao qual em parte é retratado no filme “Em Nome da Honra.”

Pegando um grande intervalo de tempo (de 1980 a 1991), período ao qual é retratado no filme, ele mostra a história real de Patrick Chamusso e sua evolução desde operário e treinador, passando por seus anos de treino pela ANC, sua prisão e seu retorno, junto com diversos outros presos políticos da história africana, dentre eles, Nelson Mandela, que era líder da ANC e foi preso em 1964. É com um potencial tão forte que infelizmente Phillip Noyce acaba por se perder em sua própria produção. Vindo de filmes de grande sucesso como “O Colecionador de Ossos”, Noyce acaba se perdendo na grandiosidade do tema e, por resolver retratar diversos elementos da história de Chamusso (alguns necessários, outros nem tanto), ele acaba não conseguindo criar um elo sentimental entre o público e a personagem principal. Assistimos, então, na tela realmente a um diário pessoal da personagem, mas que se assemelha mais a uma leitura dinâmica do que realmente uma mais aprofundada.

Com essa decisão, o filme acaba por perder alguns pontos básicos que poderiam fazer os momentos dramáticos do filme (e que há muitos) mais fortes do que eles realmente foram retratados. Nesse ponto que “Em Nome da Honra” acaba sendo prejudicado, se comparado com o trabalho de Edward Zwick nas ligações familiares da personagem de Djimon Hounsou e as atrocidades acontecidas em Serra Leoa na busca dos diamantes em "Diamante de Sangue". Ainda assim, Noyce acerta no elenco, que está muito bem colocado, embora algumas personagens se percam na insignificância dos seus papéis ao longo do filme. Talvez trinta minutos a mais no projeto poderia ter transformado o resultado final realmente digno da altura do tema retratado. Talvez percebendo essa imparcialidade por parte do roteiro (aliás, bem escrito por Shawn Slovo), é que se torna interessante perceber a ligação que o diretor tenta fazer com o espectador, ao apresentar o verdadeiro Chamusso, que atualmente vive na África cuidando de um orfanato com 80 crianças.

Composta por Philip Miller, que apesar de tudo, é especialista em produções que envolvam trilhas para filmes produzidos em cenários africanos, a trilha sonora de "Em Nome da Honra" é outro ponto do filme que acabam escorregando em qualidade já que, em alguns momentos, se mostra um tanto exagerada.

“Em Nome da Honra” é um bom filme para um público que busque algo mais documental. Vale a pena ser conferido, embora ainda não chegue a emocionar tanto como “Diamante de Sangue” e “Hotel Ruanda”. Mesmo assim, é um bom filme no gênero.

Leonardo Heffer
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