Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 08 de outubro de 2006

Bicho Vai Pegar, O

A animação de lançamento da Sony Pictures Animation chega com uma premissa fraca e mostra-se despreparada para encarar as grandes produtoras de animação já existentes. De qualquer forma, é um bom divertimento para as crianças, mas é marcado pelo exagero e pela falta de sensibilidade para fazer uma história interessante.

O roteiro de Steve Bencish e Ron J. Friedman gira em torno de Boog, um urso domesticado que mora na garagem da casa da guarda florestal Beth, que o trata como um verdadeiro filho. Cheio de mimos e de conforto, Boog é totalmente civilizado e não sabe como é a vida na floresta até salvar Eliot, um cervo tagarela que estava nas mãos do caçador Shaw. Querendo retribuir a gentileza, Eliot segue Boog até sua garagem e pretende libertar o grandalhão do que ele achou que seria um 'cativeiro'. O cervo acaba mostrando um mundo exterior o qual Boog desconhecia, metendo-os em grandes enrascadas. Em uma delas, os dois bichos são sedados e levados para as montanhas, três dias antes da temporada de caças. O que eles não sabiam é que precisariam enfrentar grandes desafios se quisessem voltar para a cidade, e ainda se livrar dos caçadores que já estavam preparando suas armas para os caçarem!

Animações que usam bichos como protagonistas não são novidades para ninguém, o que acaba exigindo mais de cada nova produção alguns fatores que inovem o mercado cinematográfico do gênero. São tantos os cartazes que anunciam novas animações que você acaba confundindo uma e outra, mesmo que elas todas aparentem ser a mesma coisa. Críticas a parte, é fato que Hollywood passa por um lapso criativo para construir novos produtos em todos os gêneros, o que não descarta os filmes infantis, mas vale salientar que não precisamos que 'qualquer coisa' polua nossas salas de projeção na tentativa de aproveitar o período de época do Dia das Crianças ou de férias, períodos certos para que tais filmes possam arrecadar uma boa grana. Ainda não estou dizendo que "O Bicho Vai Pegar" é mais uma bomba atual, só quero lembrar do quanto já estamos saturados de animaçõezinhas semelhantes que não inovam em nada, e é aí que o longa da Sony se encaixa.

Analisando esteticamente, "O Bicho Vai Pegar" é bastante detalhista e capta com perfeição muitos movimentos dos personagens, retratando-os da forma mais realista possível. Isso se aplica também ao cenário. Sempre com uma boa profundidade, percebemos a dedicação em montar uma película atraente, mas que não é o suficiente para construir um longa com boas referências. A história escrita por Bencish e Friedman trazem poucos elementos que promovam uma boa diversão tanto para as crianças quanto para seus acompanhantes, o que é mais prejudicado ainda com a direção de Roger Allers e Jill Cuton, que parecem não estar sintonizados com o roteiro, errando no timing de praticamente todas as cenas e isso começa a sujar os olhos mais apurados com pouco tempo de projeção. A falta de sensibilidade e de compromisso para que o filme tenha sucesso são perceptíveis. O roteiro segue uma linha narrativa fragmentada o bastante para se tornar superficial e forçada, não envolvendo por completo a platéia. Meio a isso, não dá possibilidades para que haja uma seqüência bem desenvolvida dos fatos, acabando por plantar, em muitos momentos, peças estratégicas na trama para que tente maquiar suas pequenas falhas de continuidade. Ainda assim, vale ressaltar que os diretores conseguem raramente investir na fotografia e brincar com o contraste das cores, nos dando, pelo menos, bons momentos visuais.

Os personagens talvez sejam o ponto menos fraco (eu disse menos fraco, e não mais forte) de "O Bicho Vai Pegar". O urso Boog é uma carismático, mas nada como o cervo Eliot, que realmente é impagável. A dupla atrapalhada consegue conquistar o público com suas aventuras inusitadas e suas personalidades excêntricas, mas só. Essa conquista do espectador não se dá de forma gradativa, ou seja, aparenta que a simpatia por eles fica estagnada e não vai evoluindo à medida que a trama vai se desenrolando. Do mesmo jeito acontece com os outros animais da floresta. Cada um com suas peculiaridades e gracinhas proporcionam bons momentos engraçadinhos, que poderiam ter sido melhor aproveitados pelo roteiro. Principalmente no caso de Eliot, que teria tudo para ser engraçadíssimo, mas não consegue ser tanto. E o que os roteiristas decidiram que poderia ser divertido, como o caso daquele porco espinho sem graça, não funcionou. Apesar disso, de forma geral, os animais são o ponto mais aproveitável do filme, valendo destacar que a perfeição com que a computação gráfica construiu Boog é fenomenal. Dá para ter noção do quão fofo ele é só olhando para seu corpo esbelto. Outro ponto a ser comentado é que tais personagens são marcados pelo exagero da dublagem. Sempre gritando ou dando "pitis" desnecessários, ao invés de parecerem engraçados, passam para a categoria de dispensáveis.

Com uma trilha sonora bem adequada a cada situação, vai ilustrando os diversos momentos que o filme passa, chegando até a suprir levemente o déficit da narração em si. Mesmo assim, a Sony não conseguiu fazer um milagre e transformar "O Bicho Vai Pegar" em uma produção memorável que deixa um gostinho de quero mais. Bastante morna e sem sal, a história ainda peca ao violentar o seu desfecho, mostrando uma verdadeira guerra entre bichos e humanos de uma forma nada sutil. Pecando pelo exagero e pela falta de uma cronologia envolvente, o filme apresenta-se como 'mais um do gênero', sem inovar em nada, baseado em clichês e diálogos prontos que poderiam ter sido melhor trabalhados para provocar um pouco mais do riso. Quem sabe até o humor negro teria se encaixado melhor do que usar fórmulas que não funcionam mais. Apesar disso, ainda assim é uma boa opção para a criançada, que, a cada vez que vai mais ao cinema, vira mais fã da sétima arte e garante os cinéfilos do futuro.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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