Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 30 de setembro de 2006

Efeito Borboleta

Assustadoramente envolvente, tinha tudo para ser maravilhoso em todos os sentidos, mas acaba pecando além do que seria permitido, sendo uma pena, já que parte é uma premissa bastante interessante. Mas não é ruim. Só não é sustentável o bastante para tornar-se algo que se aproxime de uma obra-prima.

A trama gira em torno de Evan (Ashton Kutcher), um rapaz cuja infância foi marcada por pequenos lapsos de memória que acontecia entre variados momentos de sua vida, que pareciam não ser completos nunca. Treze anos depois de ter uma infância conturbada com seu problema e de viver somente com a mãe, já que seu pai se internara com problemas psicológicos, Evan percebe que tais lapsos podem ser recuperados e revividos somente lendo suas antigas anotações que fez durante a infância. É aí que começa uma verdadeira saga na tentativa de descobrir o que tais lapsos memoriais significaram e tentar mudá-los, o que causaria a mudança completa do seu destino e de todos aqueles que passaram por sua vida, inclusive a mulher que ama.

Construir uma narrativa que tem como principal personagem o tempo e as mudanças que ele pode causar no destino das pessoas não é fácil, pois sempre dá margem a uma invasão de clichês e furos. E isso acontece no roteiro da dupla Eric Bress e J, Mackye Gruber. Claro, é inegável que eles tenham conseguido construir uma narrativa completamente envolvente e avassaladora, brincando com a curiosidade do espectador e fazendo-o viajar a cada mundo paralelo que o protagonista visita. É até impecável a facilidade que Bress e Gruber tiveram para fazer a trama fluir, desde os momentos iniciais, onde a premissa do filme é revelada, até a segunda parte da história, quando o enredo vai mostrando para o que veio. O problema é que a trama foi esticada demais. Quando o tempo começa a se mostrar como o maior vilão do longa, tudo vai caindo no mesmo conceito e pouco vai sendo desenvolvido em relação a ele e não ao que acontece com os personagens, fato que me impressionou muito. A cada tentativa que Evan tinha para mudar o destino de alguém, algo ruim acontecia com outro personagem e isso acaba apavorando o espectador, que começa a se questionar se vai surgir um jeito de lidar com isso. A partir daí, tudo vai parecendo muito redundante e pronto, chegando a forçar a barra em muita situações que Evan encara.

Além deste fator, outro que chega a irritar é o fato que o próprio roteiro parece não estar tanto em harmonia e convincente quanto vai parecendo. Alguns fatos começam a se tornar absurdos e abrem espaço para questionamentos de quem assiste. Os flashbacks que o protagonista passa a viver em busca de um novo destino para si e para os outros personagens acabam se cruzando e ocasionando repulsas inaceitáveis no desenvolvimento da trama. Sem exemplificar para não escrever algum spoiler, digamos que algo que acontece em um certo momento acaba alterando tudo de uma vez e criando uma nova realidade, mas que, em outro momento, o protagonista tem a liberdade de voltar em ocasiões que foram apagadas devido a uma alteração que já tinha sido feita. Outros conflitos vão se firmando e personagens vão ficando mais superficiais, até quando o desfecho vai chegando e a solução final acaba sendo incoerente com tudo o que o roteiro tinha apresentado antes.

Os pecados de Bress e Gruber também surgem na direção, outro ponto inaceitável, já que, quando um roteirista assume também a direção do filme, ele já precisa estar com os pensamentos certos do que quer extrair daquela trama, e a dupla mostra imaturidade nesse objetivo. Mesmo assim, eles conseguem dar um andamento sutil e envolvente à trama, que transporta o público a viagens imaginárias que dão um gostinho de "ah, e se eu realmente pudesse voltar ao passado e consertar algo?", e estimular isso é aproximar o espectador da ficção, sendo assim um ponto positivo. Sabendo sempre administrar os ângulos que querem, Bress e Gruber conseguiram lidar com os efeitos visuais e fazer deles mais uma peça interessante na trama, dando um caráter perturbador e angustiante. E só. Os elogios acabaram. A pior parte é impossível de não se comentar e me remete ao que falei no começo do parágrafo: falta de harmonia entre o roteiro e a direção. Parece impossível que, tendo nas mãos a chave principal para o bom desenvolvimento de um filme, a dupla tenha conseguido errar. E quantos erros. De continuidade, seqüência e até erros absurdos que até os olhos menos experientes podem notar. Nada que eles quisessem fazer para maquiar tais coisas desagradáveis poderia ser feito, já que algumas seqüências são absurdamente estragadas por erros simples de posicionamento da câmera, ou uma transição entre tomadas alterada pela equipe técnica. Isso acaba sendo imperdoável, o que é lamentável, pois visualmente o filme poderia ser perfeito.

O elenco não faz mais do que a sua obrigação. Ashton Kutcher recebe um personagem denso, dono de uma carga dramática enorme, e até consegue administrar, mas sempre dá aquela sensação de que alguém poderia fazer melhor. Até pela sua pouca experiência e seus antecedentes nada agradáveis, mas foi por sua causa que o projeto saiu do papel em 2003, o que acaba levando para o lado do marketing, sendo um bom alvo para o público. Amy Smart é a que consegue a maior versatilidade em cena. Não importa a época em que seu personagem esteja, ela conseguiu dar um caráter diferente a cada destino em que é envolvida, esbanjando talento. O problema é que Kutcher e Smart não parecem estar na mesma sintonia, e a culpa, mais uma vez, é do roteiro, que não dá a possibilidade para o público acreditar que realmente exista amor entre eles, já que tudo que tinham vivido até então era apenas um amor de crianças de 13 anos. Mas o que realmente chama atenção é o elenco infantil que aparece no começo do filme e transita entre as viagens que o protagonista faz, tanto os atores que representam a idade de 7 anos quanto os de 13 anos, os seis são bastante competentes e devem ser fixados na nossa memória, pois têm tudo para serem grandes astros hollywoodianos no futuro. A facilidade com que seus diálogos fluíam davam um upgrade na história e passa uma segurança muito grande, mesmo sendo crianças.

Criticado negativamente pela imprensa americana, mas se tornando "o filme da vida" de muitos adolescentes, "O Efeito Borboleta" mostra de forma acessível um drama psicológico atraente principalmente para os jovens, mas infelizmente tem seus muitos erros, o que ainda assim não fazem dele uma péssima opção. Pelo contrário. Mesmo com um teor marketeiro na sua produção, a montagem e efeitos que podemos perceber foram bem usados e agrada os olhos dos espectadores, dando a sensação que estão explorando um mundo atingível, porém misterioso. Com um "the end" que não agradou a todos, deixando com um gostinho de decepção na boca, ainda assim é melhor do que forçar mais ainda um final feliz. Até porque o desfecho é feliz e comprova que a incessante busca e escolhas que o protagonista fez não foi em vão. Para aqueles que nem assim se conformaram, resta apenas se emocionar com a slow cam misturada a "Stop Crying Your Heart Out", da banda Oasis, e se arrepiar até que os créditos cheguem.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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