Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 16 de agosto de 2006

Café da Manhã em Plutão

Mais um filme de 2006 com uma temática um tanto polêmica. Café da Manhã em Plutão aborda de forma leve a vida de um garoto que se veste como garota em busca de sua verdadeira mãe biológica para então, de certa forma, afirmar sua identidade. Um excelente trabalho de Neil Jordan e uma espetacular atuação de Cillian Murphy.

Baseado no livro de Pat McCabe, Café da Manhã em Plutão acompanha a vida de Patrick/Patrícia "Kitten" Braden, um jovem que, com o passar dos anos, descobre ser homossexual, assumindo a identidade realmente de uma mulher (por isso assume o nome Patrícia). Por ser diferente, acaba se sentindo desajustado na pequena cidade interiorana da Irlanda, sempre causando confusões, até o dia que resolve partir atrás de sua mãe biológica, que, segundo dizem, foi "engolida por Londres".

A temática é polêmica, mas Neil Jordan consegue dar um ar diferenciado ao tratamento do filme, quase que uma aventura, ou uma história biográfica da personagem. A adaptação, inclusive feita pelo próprio Jordan, só peca por, infelizmente, não conseguir aprofundar tanto nas personagens secundárias, que, aliás, são várias, e muito interessantes, por sinal. Mas ganha pontos ao deixar bem claro que o filme contará por partes – como capítulos de um livro -, as fases vividas por Patrick em todo o seu decorrer na busca por sua mãe. Também ganha pontos, por mais que não consiga aprofundar mesmo na personagem, quando conseguimos sentir seus medos e anseios.

O filme não se trata apenas da busca da personagem principal por sua mãe, que é, aliás, temática até meio que batida, mas fica claro no meio do filme que a temática se trata da busca da identidade da própria personagem, que antes tolhida pelo pensamento fechado interiorano, agora é aberta e ganha asas nas ruas da grande cidade. A sua busca está em cada passo que ele dá pelas ruas, cada pessoa que ele conhece (e, conseqüentemente, se envolve, em busca do amor que talvez nunca teve). Se o espectador não se der conta de que o filme se trata dessa temática, poderá ficar perdido, tentando entender porque, na verdade, o personagem principal, várias vezes, se desvia da intenção de encontrar sua mãe, podendo simplesmente ter ido direto a Londres, desde o momento em que sai da cidade do interior.

Perceba que aqui também evito palavras que denotem significados fortes (que também não as citarei para evitar a opressão dos significados da mesma), tentando repassar também a sutileza com que Neil Jordan passa a história de Patrick nas telas do cinema. Através dos sofrimentos, dos momentos de insanidade, ele amadurece e fortifica psicologicamente cada ato da personagem e inclusive as decisões que serão tomadas no final do filme (aliás, um dos melhores finais que já vi, com uma analogia perfeita das vidas que se cruzam e seguem rumos diferentes por agora estarem sintonizadas e apaziguadas com o seu eu interior).

Um elenco estrelar completa o banquete do filme. Cillian Murphy está simplesmente perfeito na personagem de Patrick/Patrícia, sem exageros no maneirismo, conseguindo passar através das expressões dos olhos muito mais do que as palavras em alguns momentos de silêncio do filme. Liam Neeson também está no elenco. Apesar de aparecer pouco, consegue disputar pela excelência da cena quando a divide com Murphy, também utilizando apenas de expressões e olhares para passar todo o pesar da personagem. Outro ator que infelizmente tem passagem relâmpago no filme é Brendan Gleeson, que, com seu tipo, consegue roubar a cena de Murphy sem nem pestanejar. Outro ator que também esteve muito bem no filme, embora não tenha conseguido se sair melhor do que já está acostumado, foi Stephen Rea, que tem uma passagem um pouco menos relâmpago do que Gleeson, mas consegue se sair bem.

A trilha sonora também é outro ponto positivo a parte, escolhida a dedo por Neil Jordan e sua filha, Anna Jordan, com vários sucessos da década na qual o filme se situa (60/70), como a excelente trilha de The Rubbets (Suggar Baby Love), que se encaixou perfeitamente como tema do filme, assim como ponte de continuidade – ao aparecer no início e no final do filme.

Infelizmente, o longa se torna um pouco longo demais, chegando ao ponto até de incomodar um pouco, mas seria impossível fazê-lo menor e apenas nesse quesito o filme realmente perde pontos.

Café da Manhã em Plutão não é apenas mais um filme polêmico por tratar de personagens de opções sexuais diferentes das tradicionais, mas sim um estudo psicológico e uma verdadeira aula de símbolos e analogias do começo ao fim, fazendo dele uma verdadeira obra-prima de estudo para muitos cineastas. Depois de três anos afastado das telas, Neil Jordan acertou em cheio no seu retorno ao cinema.

Leonardo Heffer
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