Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 05 de janeiro de 2006

Diários de Motocicleta

Em aspectos cinematográficos, o filme é praticamente perfeito. Assistir a "Diários de Motocicleta" pode mudar a sua visão do mundo, assim como mudou a minha.

Quando fui informado de que Walter Salles Jr., diretor de "Central do Brasil", estava fazendo um filme em associação com vários países da América Latina, e que contaria a história de Che Guevara, quase caí da cadeira. Todo mundo sabe do talento de Salles, que entre outros filmes fez "O Último Dia", com Fernanda Torres e "Abril Despedaçado", com Rodrigo Santoro. Além do mais, Ernesto "Che" Guevara teve uma história que quase ninguém conhecia antes do lançamento desse filme: ele viajou por quase toda a América Latina a bordo de uma moto junto de seu amigo Alberto Granado; e foi justamente essa viagem que o transformou no que ele é conhecido hoje. Pois bem: quase caí da cadeira de novo com outra notícia, a de que "Diários de Motocicleta" não passaria aqui. Qual foi a minha providência? Viajei até Sorocaba, cidade próxima daqui, e assisti o filme lá. E vos digo: não me arrependo nem um pouco.

A história se passa antes de Che ser Che, quando ainda Ernesto Guevara de la Serna (Gael Garcia Bernal) era um estudante de medicina na Argentina. A convite de seu amigo, Alberto Granado (Rodrigo de la Serna), ele topa viajar por vários países do Hemisfério Sul, tendo como veículo uma moto precária, de propriedade de Granado, apelidada de "A Poderosa". Contrariando os pais, que gostariam que ele terminasse os estudos, ele embarca nessa aventura, passando por várias dificuldades. E, durante o percurso, ao ver as condições do povo sul-americano, Guevara amadurece e cria seus ideais que defendeu até o fim da vida. Sem perceber, a viagem acaba por mudar a mentalidade dos dois viajantes.

Foi um filme que acabou com todo aquele mito de que "Che nasceu pensando em revolução". Aqui, vemos que ele era um jovem estudante, sem comprometimento com nada, e que durante a viagem sua mente vai adquirindo idéias por causa da sua indignação com a situação do povo da América do Sul. E dá pra pensar que em "Diários…", o povo pode aprender mais sobre a vida de Guevara, já que a sua imagem de revolucionário é a mais conhecida. Muitos não conhecem a história de vida dele, enquanto jovem.

Em aspectos cinematográficos, na minha opnião, o filme é praticamente perfeito. Posso estar enganado, mas não vi defeito algum no transcorrer do filme. Enquanto muitos diretores dariam o foco maior a figura de Che, Walter Salles mediu bem a atenção do filme entre o personagem interpretado por Gael Garcia Bernal, e ao Alberto Granado de Rodrigo de la Serna, e ainda dando um show de imagens durante os lugares onde os personagens passam. Aliás, uma grata surpresa que eu tive a respeito do filme foi Rodrigo de la Serna. Ele transmite uma vivacidade, uma sede de aventura que Bernal não pode passar, por causa da natureza de seu personágem, sério e tímido. Para mim, o melhor do filme (Bernal quase empatado com ele).

Outro aspecto interessante é o roteiro, muito bem construído em cima dos livros de Guevara (que na verdade é a publicação de suas anotações durante a viagem) e o de Granado (que relata como foi sua relação com o Ernesto Guevara antes dele se tornar o lider revolucionário). A fotografia de Eric Gautier é simplesmente espetacular, entra para a minha listagem de preferidas junto com aquela empregada por Janusz Kaminski em "A Lista de Schindler". Fantástica.

Não tenho intenção de evidenciar nada do filme, mas creio ser as cenas na ilha de leprosos uma das mais impactantes do filme todo. E pode ser usado como uma metáfora. Mas para descobrir, assista ao filme. Toda a vida de Guevara antes de se tornar um guerrilheiro passa diante da tela, a sua mirabolante viagem com seu grande amigo Granado (vivo até hoje, e aparece em uma cena – a final). Ao ver esse filme, pude notar que Ernesto Guevara de la Serna teve várias razões para se tornar o que se tornou.

Conhecer de perto a realidade do povo latino – americano foi um choque muito grande na mente dele, que vinha da classe média. A indignação que ele passa a ter depois dessa viagem com toda a situação de seu povo é muito bem mostrada pelas lentes de Salles. Uma visão da qual compartilhamos, e que nos faz enxergar a importância que esse homem teve não só no Sul das Américas, mas em todo o planeta.

Assistir a "Diários de Motocicleta" pode mudar a sua visão do mundo, assim como mudou a minha.

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

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