Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 14 de setembro de 2005

O Grande Ditador

“O Grande Ditador”, escrito, dirigido e protagonizado pelo mestre Charles Chaplin, mostra, de uma forma "agradável", a época que o nazismo imperava. Desta feita, Chaplin encarna um alter-ego de Hitler e seu trivial personagem Carlitos. "O Grande Ditador" foi o primeiro filme falado de Chaplin.

O tempo passa, mas não consegue apagar a figura de Sir Charlie Spencer Chaplin. Ele foi ator, diretor, produtor e autor cinematográfico. Considerado o maior ator da história do cinema, Chaplin é aclamado por muitos como o maior artista (não só cinematograficamente) que já existiu. Inspirou a vida de muitas pessoas com suas comédias e personagens criativos, atingindo fama mundial através do cinema mudo e seus personagens. Foi, é e sempre será o mais lembrado das telonas e não só nelas, pois muitas de suas frases e pensamentos encontram-se escritos pelo mundo afora.

Depois do sucesso Luzes na Cidade, filme que foi realizado três anos após a chegada da voz ao cinema e foi o último filme mudo de Charles, no qual sua última cena é considerada um dos momentos mais emocionantes do cinema, por isso, na Piazza San Marco, em Veneza, durante um festival, ao ser exibida, fez toda a platéia chorar, Chaplin aparece com O Grande Ditador. Antes Chaplin se recusou a adicionar voz aos seus personagens, hajavista que era um defensor veemente do cinema mudo, continuando a trabalhar com a mímica, mudando de linha em 1940, com um de seus melhores filmes.

Como seria um comediante falando ou contando uma piada sobre o momento mais negro da historia mundial, o nazismo? Quase nunca vemos isso.Charles Chaplin nos apresenta esse lado da maneira mais coerente para que foi criado o humor, ou seja, trazer risadas quando o caos é imposto. Ou, por que não, com o próprio caos. Distorcendo assim a atenção das coisas ruins e fazendo a alegria, quando nem se pensa em sorrir.

Em "O Grande Ditador", Chaplin antecipa para o mundo um tal de Hitler, por meio de uma contundente sátira ao nazi-fascismo e um surpreendente clamor pela paz. Não compreendido pelos americanos acabou tendo que se retirar do país e se estabeleceu na Suíça. Uma grande perda, pois na Europa, tolhido dos meios e dos recursos necessários para seu trabalho e um tanto quanto descrente na indústria e no mundo, sua produção declinou e rareou. O filme também nos revela algumas surpresas como o fato de Chaplin atuar em dois papéis: como o ditador de Tomânia (satirizando a Alemanha e seu Fuhrer) e no de um barbeiro judeu, celebrado como herói na 1ª Guerra e que, anos depois, ao sair do hospital onde ficara em recuperação dos traumas e choques daquele conflito, vê-se como parte de uma minoria perseguida pelas novas autoridades que reinam em seu país.

Depois de uma breve introdução, a história continua a partir do retorno do barbeiro a seu estabelecimento comercial, numa parte da cidade que foi transformada em gueto, onde todos os judeus foram confinados e vivem em total precariedade. Além das dificuldades materiais e privações, não havia liberdade para que as pessoas que ali viviam pudessem se deslocar de um lado para o outro e, além disso, elas eram vítimas de arbitrariedades e violências praticadas pelos soldados a serviço de Hynkel (leia-se Hitler).

Enquanto isso, nos gabinetes dos poderosos, o ditador fazia planos e mais planos de conquistar o mundo. É desse filme a célebre seqüência em que Hynkel dança com o globo terrestre em suas mãos numa suave alusão ao desejo de comandar os destinos do planeta. Há várias tiradas no filme que demonstra a sintonia de Chaplin com o que ocorria no planeta, nessas seqüências, por exemplo, menciona-se o arianismo e a estranha condição do ditador moreno comandando o futuro de Tomânia. Outro detalhe interessante se refere a idéia de que uma das principais formas de se obter o apoio do povo se dava a partir da manipulação da opinião pública com o auxílio de propaganda pesada nos meios de comunicação ou com desfiles militares. Um outro personagem destacado que aparece nessa trama é um sósia do ditador italiano Mussolini, que também tem pretensões expansionistas. Diferentemente da história, em que os destinos da Itália e da Alemanha se cruzam, os dois líderes são concorrentes e não estão dispostos a se associar. O revés da história é quando Hynkel e o barbeiro judeu trocam de lugar, acidentalmente. Isso abre uma oportunidade sem igual para que os erros do verdadeiro ditador sejam reparados pela ação nobre do pobre e perseguido barbeiro. E, no final, uma seqüência antológica, dessas verdadeiramente inesquecíveis, com um discurso de arrepiar os cabelos onde as palavras do personagem se fazem a de todos aqueles que acreditam que o mundo pode e deve viver em paz, equilíbrio e justiça.

Com o velho Carlitos esbanjando desenvoltura (mais até do que nos últimos filmes), fazendo seus trejeitos mímicos e passos desengonçados de sempre. Desta feita, o personagem apresenta um pouco mais de inteligência, mesmo afrontando soldados, afinal, não sabia o que estava fazendo. E também nos apresenta a Hitler, quer dizer, Hynkel. O qual merece minutos e minutos de aplausos em pé. Um tirano desajeitado que só não rouba mais risadas por conta do personagem principal. Seus discursos são ótimos, mesmo você não entendendo nada e até por isso mesmo (!). Demonstrando o que foi um dia a realidade das pessoas que assistiam as entoações do verdadeiro ditador alemão. A trilha sonora é nivelada pela época, inclusive, ela recebeu indicações, mas não levou. Já Chaplin, pra variar, sim.

O filme é um clássico cinematográfico. Deve ser assisto por todos que gostam de Chaplin, cinema ou do assunto Segunda Guerra (abordado por muitos filmes e documentários). Uma dica interessante vai para os professores, pois o filme abre possibilidade de se discutir ações em favor da paz, nos mostra que através da arte podemos estimular ações de benefício para a humanidade, nos convida a estudar a 2ª Guerra e suas motivações, a entender os fatores que fizeram com que grande número de pessoas morresse naquele conflito e as razões que nos movem a nunca mais promover tamanho genocídio.

Finalmente, Charles esclarece mais uma vez para os olhos do povo mais um momento sombrio da história. Lembre-se do filme "Tempos Modernos" e vejam como Chaplin, em sua crítica à sociedade contemporânea, de bases industriais, mostrou ao mundo, com suas paródias, o stress, as correrias típicas de nosso cotidiano, os sistemas de trabalho onde os homens são apenas engrenagens adicionais ao trabalho das máquinas. Um verdadeiro mestre das telonas.

“Os ditadores libertam a si próprios, mas escravizam o povo” (Charles Chaplin).

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

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