Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 27 de fevereiro de 2005

Jogos Mortais (2004): um filme de baixo orçamento que virou clássico

E se você acordasse dentro de uma sala fechada, ao lado de outra pessoa, ambos acorrentados pelo pés? E ainda, um morto na sua frente todo ensangüentado? É estranho até pensar nisso, imagine estar presente ...

Enquanto alguns filmes hollywoodianos gastam milhões para serem produzidos, chega um filme inteligente, barato, angustiante e com uma premissa bem simples: reviver o terror psicológico criado por “O Silêncio dos Inocentes” e “Seven”, de uma forma bem criativa e sem cair na mesmice dos thrillers casuais. Felizmente, ele consegue tudo isso com sucesso, mesmo que em alguns momentos a banalidade apareça na história do filme. Enfim, estava com medo de que não saíssem mais filmes do tipo. Um gênero inteligente, enigmático e não muito complexo, mas com um serial killer com uma mente perversa, criativa e com bastante maldade nos jogos. Ele praticamente trata suas vítimas como ratos de laboratório. Algumas cenas do filme chegam a ser bizarras, porque elas conseguem fazer com que você sinta uma angustia, já que ele sempre coloca enigmas com tempo. Por exemplo: a vítima tem que achar uma chave que abra o cadeado que o prende numa cadeira, antes que parafusos atravessem sua cabeça.

O filme nos leva à mente psicótica de um gênio criminoso, que cria cenários diabólicos para levar as suas vítimas a compreender o valor da vida. O assassino é Jigsaw (Tobin Bell). Ele é chamado assim por causa de uma cicatriz em forma de quebra-cabeças que ele deixa na pele de suas vítimas, obrigando suas presas a cometerem atos intoleráveis e agonizantes para se salvar. O Tenente Tapp (Danny Glover, numa participação secundária) é escalado para conduzir a investigação e rastrear o assassino. Os caminhos evasivos de Jigsaw levam Tapp a criar uma obsessão enlouquecida, vendo-se totalmente envolvido por estes “Jogos Mortais”. Adam (Leigh Whannell) se dá conta que está acorrentado a um cano enferrujado dentro de um banheiro imundo. Adam não está só, acorrentado também, e do outro lado do banheiro, está o Dr. Lawrence Gordon (Carey Elwes), e entre eles está um homem, boiando em seu próprio sangue, de um ferimento que ele mesmo se causou na cabeça. O mistério começa quando os dois presos tentam juntar as provas deixadas para decifrar como chegaram lá e, mais importante ainda, de como eles poderão fugir. As pistas se desvendam à medida que suas identidades verdadeiras são expostas e eles percebem que são as próximas vítimas do assassino Jigsaw. O mais interessante é que ele NUNCA matou suas vítimas, elas que sempre se matam.

A sinopse simples faz deste filme um verdadeiro enigma, que quando começamos a assistir, caímos num mundo onde a inteligência é bem vinda para resolver os enigmas. Algumas vezes, o assassino simplesmente abusa dos jogos que, em sua maioria, envolvem pessoas “doentes” (no sentido de serem viciados em algo, não tratarem bem sua família, traírem suas mulheres e etc). Não, o assassino não é um humanista. Ele só pensa que dando a chance às pessoas de sobreviverem, mesmo passando por um torturante enigma, elas passem a dar valor a vida. Ele não é um super-herói, mas a forma que ele captura suas vítimas não é bem explicada (às vezes, ele parece um bicho papão, outras vezes, ele parece um palhaço com aquela máscara dele).

Para compreender melhor, veja o nível de um enigma: o assassino usa uma armadilha de urso ao contrário implantada na cabeça de uma garota, onde o objetivo é que ela use uma chave para abrir o cadeado da geringonça. Mas, se o tempo esgotar, a armadilha rasga sua boca com tudo. Até ai não é tão bizarro, mas e quando ele diz que a chave está dentro do estômago da alma gêmea dela, que está morta naquela mesma sala? E o pior, ele não está morto, e sim dopado. Isso mesmo, ela tem que tirar a chave do corpo dele, pensando que ele está morto, mas não está. A forma que é mostrada as cenas é magnificamente bem executada e inteligente. Uma excelente montagem de imagens de desespero da garota.

O filme, à medida em que caminha, mostra em forma de flashbacks outro enigmas executados pelo serial killer. A inteligência dos enigmas é assustadora. O diretor iniciante James Wan, que também assina o roteiro com Leigh Whannell, usou e abusou na edição das cenas do filmes. Algumas vezes, você se desespera como as vítimas em uns enigmas. Isso só dá mais clima a trama. Em pensar que ele foi rodado em apenas 18 dias. Para você ter uma idéia, o filme já é pesado (no sentido de mostrar cenas bizarras), o diretor ainda teve que tirar algumas cenas pesadas (que com certeza estarão no DVD), para que os mais jovens pudessem entrar nos cinemas nos EUA. Mas uma coisa temos que dizer: “Jogos Mortais” possui um final simplesmente espetacular e bem bolado.

Fico feliz pelo resultado do filme. Mais feliz ainda em saber que eles tinham acabado de se formar da escola de cinema, e colocaram as fitas embaixo do braço e foram a atrás de um patrocínio ou de algum estúdio que distribuísse seu filme. Até que a Lions Gate Films comprou a idéia depois que viu o resultado numas exibições teste. Na verdade, é um tapa na cara de Hollywood, porque mostra que não é necessário gastar 150 milhões de dólares para fazer um filme inteligente. O DVD venderá como água, já que deve ter muita coisa interessante que foi cortada. O bom é saber que “Jogos Mortais 2” já está em produção. Tomara que não caia na mesmice.

Jurandir Filho
@jurandirfilho

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