Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 30 de abril de 2005

Kinsey – Vamos Falar de Sexo

Não vá assisti-lo pensando ser um filme cheio de sacanagem, porque ele está longe disso. Kinsey é sensível, utiliza bem as oportunidades que o tema dá e foge do explícito, pois não é, em momento algum, esse o seu foco. É, acima de tudo, um drama muito bem construído com personagens complexos e atitudes maiores ainda, que utiliza o sexo apenas como pano de fundo para entender algo maior, como uma sociedade e os moralismos que a rodeiam.

É necessário cuidado redobrado ao assistir “Kinsey – Vamos Falar de Sexo”, mas não pelas cenas que o título nacional explorou erroneamente. Até porque, embora o filme ronde todo a volta do tema sexo, é muito menos explícito e chocante, nesse sentido, do que diversas outras obras, como, por exemplo, “Os Idiotas” ou “Felicidade”. É um título ambíguo, claramente procurando explorar o fato de brasileiro adorar falar sobre o tema. Só que aqui a sacanagem é séria e explorada de forma profunda, assim como o seu personagem principal – e real – fizera em uma sociedade conservadora e toda cheia de moralismos ridículos. Kinsey estudava o sexo, adorava fazê-lo, vê-lo e conversar sobre, mas sem nunca soar pervertido ou aproveitador.

Ele era um homem que estudava o ato, o que poderia dar mais prazer ao parceiro (a). Foi provavelmente o primeiro homem a assumir publicamente que o melhor era as pessoas se entregarem àquilo que lhes davam prazer, dane-se o que os outros poderiam pensar. Afinal, os padrões apresentados pela sociedade são inverossímeis e sem lógica alguma. Como, por exemplo, uma pessoa poderia ter sua fertilidade afetada simplesmente por fazer sexo oral com o parceiro fixo? Isso existia na época, e por estar um passo a frente de sua época e ter confrontado esses padrões tão conservadores, enfrentou a fúria de uma sociedade, enquanto recebeu agradecimentos de diversas outras pessoas, por tê-las feito mudar para melhor.

Doutorado em Biologia, o professor sempre amou a vida, e se especializou em catalogar diversas espécies de vespas. Juntou um milhão de amostras, porque acreditava que apenas com um largo número de fontes alguma estatística de pesquisa poderia ser confiável. Utilizou o mesmo pensamento com os seres humanos. Ao estudar o seu comportamento na cama, para escrever o livro “O Comportamento Sexual do Homem”, Kinsey entrevistou milhares de pessoas para poder saber o que lhes dava prazer. E, mesmo estando nos anos 40, o resultado foi surpreendente.

O filme pode parecer ultrapassado, afinal, estamos em um período altamente liberal quanto à sexualidade, mas ainda cheio de preconceitos levantados, vejam só, por Kinsey há quase 70 anos! O fato de apresentar reações completamente opostas de algumas pessoas quanto ao assunto é o grande triunfo do filme. É como um personagem diz certo momento: “ele convence as pessoas a falar sinceramente porque as faz perceber que ele realmente tem interesse naquilo”. É exatamente essa a sensação que temos ao assistir ao longa, de que Kinsey quer entender as pessoas, e não julgá-las.

Liam Neeson já fez trabalhos espetaculares no cinema, cada um mais diferente do outro. Já foi de um alemão que salvou judeus em pleno Holocausto até um Mestre Jedi, mas Kinsey traz um novo desafio para sua carreira. Isso porque, assim como quando foi lançado e mesmo diversos estigmas da sociedade já terem sido derrubados ao longo dos anos, o filme encontrou uma forte rejeição de grupos puritanos ao redor do mundo. Ignorando a repercussão que poderia ter, mesmo com fortes protestos, o ator aceitou de primeira o convite para o papel e, para variar, deu um show de interpretação do início ao fim.

Sua companheira de cena é Laura Linney, que interpreta a esposa do sexólogo. Ambos estiveram juntos em “Simplesmente Amor”, mas aqui o clima é totalmente diferente. O amor está no filme de forma poética, pois a todo o momento, ele parece ser um mero coadjuvante de todo o prazer que Kinsey parece querer levar as pessoas. Atenção quando digo que apenas ‘parece’; ele tem uma importância muito maior do que pode parecer à primeira vista. Some a um surpreendente Chris O’Donnell (longe do mico que pagou em Batman), um inspirado John Lithgow (como o pai conservador de Kinsey) e o sempre excelente Dylan Baker, dessa vez em um papel menor do que está acostumado a fazer.

Não vá assisti-lo achando que serão duas horas de baixaria, porque não vai ser. Até mesmo “Perto Demais” é mais chocante que “Kinsey – Vamos Falar de Sexo”. Na verdade, este novo trabalho do diretor Bill Condon é um drama, bem lento, de tema desenvolvido e com humor afiado. Ao invés de se acomodar em mostrar, ele tenta entender. E o grande mérito é nos deixar totalmente por dentro de tudo o que os personagens pensam, porque agem de tal maneira e o resultado de tudo. Sem nunca soar absurdo ou falso, pode até estar chegando em uma época onde achamos saber tudo o que diz o filme. Não se engane.

A simplicidade é apenas aparente, porque logo após os créditos iniciais começarem a aparecer na tela, veremos que tudo é um emaranhado complexo de atitude, tesão e sentimento.

Rodrigo Cunha
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