Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 12 de setembro de 2005

Luta Pela Esperança, A

Apesar do excesso de sentimentalismo, a direção firme de Ron Howard e a sempre perfeita interpretação de Russell Crowe fazem de “A Luta Pela Esperança” um drama acima da média e que não decepciona em nenhum aspecto os admiradores do boxe.

Nem sempre é um bom sinal quando um filme desde cedo começa a ser taxado como “filme de Oscar”. Este é o caso de “A Luta Pela Esperança” (ainda prefiro a tradução do título original, “Homem-Cinderela”). E não é por menos, já que se trata da nova parceria entre o astro Russell Crowe, o diretor Ron Howard e o roteirista Akiva Goldsman, responsáveis pelo vitorioso “Uma Mente Brilhante”. A produção estava inicialmente programada para ser lançada no começo do ano, a fim de poder concorrer à estatueta ainda esse ano, mas, diversos problemas impediram o lançamento naquela época. Agora, o filme chega ao Brasil em pleno meio de temporada, após um grande fracasso nas bilheterias estadunidenses e com o papo de Oscar quase que silenciado (atente bem para o quase). Realmente, “A Luta Pela Esperança” não chega a ser um nome forte para Oscar, mas, desde quando isso significa sinônimo de qualidade? O filme é muito bom, possui um roteiro bem amarrado, ótimas cenas de luta, e a direção forte de Ron Howard e a interpretação de Crowe continuam por si só valendo o preço do ingresso. Precisa mais?

Russell Crowe interpreta o personagem real Jim Braddock, um promissor boxeador que precisou se retirar dos ringues após consecutivas derrotas, logo no começo de carreira. Com os EUA entrando na fase da Grande Depressão, Braddock vive uma situação difícil e tem dificuldades para sustentar sua esposa, Mae (Renée Zellweger), e seus filhos, sem ter dinheiro para comer ou pagar as contas de luz. Após a desistência de um lutador que lutaria numa preliminar, Braddock se encontra de volta aos ringues contra o segundo no rank mundial – e para a surpresa de todos, Braddock vence no 3º round. Carregando em seus ombros a esperança e os sonhos da massa desfavorecida, Braddock, apelidado de "Homem Cinderela," se depara com seu maior oponente, Max Baer (Craig Bierko), o campeão mundial dos peso-pesados, renomado por ter matado dois homens no ringue. Braddock – que não era tão bom boxeador, entrou no ringue apenas na esperança de dar uma vida melhor a sua família.

Para começo de história, é impossível não comparar “A Luta Pela Esperança” com “Rocky – Um Lutador”. Tirando o fato de a nova produção ser baseada em fatos reais, a essência entre os dois é a mesma, trazendo aquela história do homem comum e sem recursos que começa a se destacar através do boxe, atingindo o status de herói. Mas, o que era original no filme de 1977, aqui, se torna uma sucessão de clichês. Não vá assistir a “A Luta Pela Esperança” esperando ver surpresas, pois simplesmente, você já sabe de antemão tudo o que acontecerá na cena seguinte. O roteiro de Akiva Goldsman é trabalhado estrategicamente, trazendo os estereótipos necessários para fazer um drama básico: o herói que parece não ter nenhum defeito, a esposa dedicada e preocupada, o adversário que se torna o vilão, o empresário que se torna peça fundamental para a ascensão do herói, e, por fim, o amigo que não acrescenta nada a história.

É clara a intenção do roteirista em apelar demasiadamente ao sentimentalismo em certos momentos, exaltando as qualidades do protagonista, com o intuito de induzir o espectador ao choro. Afinal de contas, será que Jim Braddock era mesmo um ser tão calmo, pacífico, dedicado e sem nenhum defeito como o filme induz? Apesar disso, a direção firme de Ron Howard consegue se sobressair desses vacilos melodramáticos, nunca deixando o clima cair, conseguindo variar sempre o drama e os momentos de tensão. Apesar dos muitos apelos, é sim um filme emocionante e poderá fazer os mais sensíveis chorarem, principalmente sabendo que se trata de uma história real. É tocante ver a situação crítica em que Braddock e sua família se encontram, chegando ao ponto de ter de pedir dinheiro a seus ex-chefões para poder pagar a conta de luz, além de passarem fome a ponto de seu filho roubar um salame da mercearia. Um certo momento, quando podemos ouvir um ronco vindo do estômago de Braddock minutos antes de uma luta, chega a ser cômico, e ao mesmo tempo, nos dá um nó na garganta pela situação em que se encontra o boxeador. Aliás, o filme também deixa bem claro que Braddock nunca foi lutador por paixão, e sim, fazia isso por pura necessidade de sustentar sua família, como ele bem define em um diálogo com seu empresário: – Se eu nocauteei ele no 3º round por um picadinho, imagine o que eu faria por uns bifes? Ao longo do filme, se torna impossível não se deixar ser levado pela história e passar a torcer arduamente pelo personagem, principalmente na luta final, que é sem dúvidas, o momento mais emocionante do longa.

Utilizando as cenas de boxe como pano de fundo para a história de garra e superação de Jim Braddock, o diretor Ron Howard demonstra extrema competência ao dirigir os duelos retratados. O diretor, através de closes e lances de câmeras precisos, consegue jogar o espectador dentro do clima da luta, fazendo o público sentir toda a tensão de uma luta de boxe de verdade – e não aquelas lutas “heróicas” como eram as dos filmes de Rocky. Repare que o diretor consegue ampliar o impacto dos golpes diferidos, transmitindo ao público os momentos mais densos do combate. Confesso que desde “Touro Indomável” não via lutas tão bem dirigidas.

Nem sempre é fácil adaptar a vida de uma pessoa para o cinema sem que ela se torne algo realmente cinematográfico, nem que para isso, o roteiro tenha que forçar certos fatores. Na vida real, diversos vilões cercam nossas vidas, sejam eles humanos ou não. No caso de Jim Braddock (o verdadeiro), os grandes vilões que o atormentavam era a pobreza, a fome, e principalmente, o quadro político predominante nos EUA durante a época, deixando milhões de pessoas em situações delicadas…o que o filme mostra muito bem, mas, o roteiro peca ao querer moldar um vilão vivo. Assim, acabou sobrando para o boxeador Max Baer, com quem Braddock protagoniza a luta final. O boxeador que já tirou a vida de dois adversários no ringue, é transformado pelo roteiro em um ser extremamente mal-caráter, que sente prazer em ameaçar Braddock e sua esposa – inclusive na hora da luta. Será mesmo que Baer tinha orgulho, na vida real, do fato de ter apagado duas pessoas e utilizar deste fato uma ameaça para seus adversários? Muito pouco provável. Mal colocada e desnecessária imagem do lutador criada para o filme.

Pra variar, a interpretação de Russell Crowe é o ponto alto filme, conseguindo aumentar até o nível dele próprio. Crowe mais uma vez dá o melhor de si para encontrar a essência do personagem, captando com maestria a inocência e humildade por trás do lutador, conseguindo até mesmo contornar a maneira esquemática com que o personagem foi desenvolvido pelo roteiro. Crowe, que emagreceu 23 quilos para adquirir o físico de Braddock, está mais uma vez perfeito, demonstrando ser um dos melhores atores da atualidade e com uma veia dramática ímpar. Outro que se destaca é o sempre ótimo Paul Giamatti (“Sideways”), fazendo um belo trabalho na pele do empresário do lutador. Giamatti confere peso ao personagem que possui extrema importância na vida de Braddock, de forma que o público no decorrer do filme, cria uma certa simpatia pelo personagem. Já Renée Zellweger, na pele de Mae, a esposa de Braddock, está correta, mas sem destaque. A atriz não compromete, mas ela não utiliza um quinto de seu talento que todos conhecem e pode ser visto em filmes como “Cold Mountain” e “O Diário de Bridget Jones”.

“A Luta Pela Esperança” é um filme claramente afetado pelo fato de ter sido produzido estrategicamente, visando uma certa estatueta dourada. Mas, isso não impediu que a produção se tornasse uma ótima história de perseverança e redenção, muito bem retratada num período histórico crítico – a Grande Depressão. Para quem não conhecia a história de Jim Braddock como eu, vale a pena dar uma conferida nessa emocionante trajetória desse grande vencedor (em todos os sentidos). Além do mais, você será deliciado por ótimas cenas de luta, e um Russell Crowe que continua impagável como ator.

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

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