Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 26 de março de 2006

Máquina, A

“A Máquina” é, primeiramente, um representante do bom e legítimo cinema brasileiro e traz um roteiro peculiarmente interessante, cheio de conteúdo nas entrelinhas.

Quem lê a sinopse do filme pode até pensar que se trata apenas de uma história banal e fantasiosa de amor, envolvida pela atmosfera das tramas cinematográficas que se passam no nordeste a exemplo de “O Auto da Compadecida” e “Lisbela e o Prisioneiro”. Quem assiste, no entanto, se depara com algo mais: um enredo cheio de referências e críticas, que se mostra bem mais inteligente do que aparenta ser.

Antônio e Karina são dois jovens que moram na fictícia cidade de Nordestina, teoricamente localizada em algum lugar de Pernambuco. Ele é apaixonado por ela, que no começo não compartilha o mesmo sentimento, mas acaba se rendendo ao amor tão grande e sincero do rapaz. Karina, no entanto, tem maiores ambições para a sua vida e quer sair da isolada Nordestina para conhecer o mundo. Antônio, decidido a realizar o desejo tão almejado por sua amada, resolve partir numa viagem ao futuro afim de “verificar o prazo de validade desse mundo” para poder trazê-lo à Karina. O rapaz constrói uma máquina que deverá mutilá-lo se ele não realizar o feito de transportar-se para outro tempo e, com isso, atrai as atenções de todos.

A característica marcante do filme é ser conduzido de forma bastante peculiar. O tom teatral tanto as interpretações quanto da aparência propriamente dita é evidente durante toda a história e é preciso que o espectador esteja ciente que este é exatamente o estilo de “A Máquina”. O filme foge dos padrões a que estamos acostumados e não decepciona.

A presença de número considerável de atores nordestinos é evidente, o que imprime uma veracidade dentro da total fantasia que é a história. As atuações, aliás, estão todas acima do razoável. O jovem protagonista, Gustavo Falcão, já se mostra um possível grande talento do nosso cinema e até a não tão excelente Mariana Ximenes dá conta do recado direitinho. O veteraníssimo Paulo Autran, que permeia a história com a sua narrativa dos fatos ocorridos com o protagonista Antônio, apenas confirma que é um dos maiores nomes da nossa dramaturgia. Lázaro Ramos, Zeu Brito e Vladimir Brichta, ainda que em papéis pequenos, estão também todos muito bem.

Wagner Moura interpreta competentemente o sensacionalista apresentador de televisão em cujo programa Antônio anuncia seu feito e até Fabiana Karla (sim, aquela que participa do humorístico “Zorra Total”) se destaca como a mãe do protagonista.

A história do filme, repito, é uma ficção declarada, mas traz uma série de críticas ao comportamento condicionado dos seres humanos. Os diálogos são algo que às vezes parecem sem sentido, mas são repletos de referências não apenas ao próprio cinema, mas também à literatura – remetendo aí, novamente, à atmosfera teatral como base de tudo.

A fotografia, por vezes, pode parecem um tanto quando asfixiante com imagens tumultuadas e escuras, mas tudo leva a crer que esse artifício tenha sido usado de propósito, para nos levar a imergir completamente em certas situações.

A trilha sonora é um detalhe à parte – co-assinada por Chico Buarque – simplesmente fantástica. Destaque para a maravilhosa regravação de “Dia Branco” de Geraldo Azevedo que ilustra uma das cenas mais marcantes do longa.

Enfim, para que se propuser a assistir “A Máquina” sugira que vá sem idéias pré-formuladas e despido de preconceitos. É um filme notável sim, vale a pena conferir.

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

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