Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 21 de outubro de 2005

Noiva Cadáver, A

Belíssimo. Esse pode ser um codinome para “A Noiva Cadáver”. Todos os elementos que somente Tim Burton (“A Fantástica Fábrica de Chocolates”), sabe misturar com maestria estão presentes nessa ótima animação, com estória e personagens muito bem estruturados.

Como posso dizer a que gênero esse filme pertence? Certo, você vai para dentro do cinema sabendo que verá uma animação. Surpreenda-se, pois é mais do que isso. Dizer que o filme é uma comédia seria mentira, mas também dizer que não é se constitui a mesma coisa. Então, o filme é um musical. Sim, cenas e momentos do roteiro retratados em música. Olha, ele é mais. Tem também partes em que vemos um romance e outras um conflito do personagem consigo mesmo, transparecendo um drama. Complicou tudo, não sei na verdade do que se trata. Ah sim, o filme é do diretor Tim Burton! Está explicado.

Para uma determinada função pode haver várias pessoas que a correspondam. Algumas dessas se destacarão pela criatividade além do que se pede. Mas as que serão sempre lembradas são as que, mesmo fazendo o que outras pessoas fazem, são diferentes em alguns aspectos. De diretor o mundo está cheio, mas de Tim Burton, não. Os elogios para a película aqui analisada recaem antes de tudo para a obra dessa pessoa. Parabéns para ele.

O filme narra a estória de uma noiva, um noivo e outra noiva: a cadáver. Os dois primeiros chamam-se Victoria (voz de Emily Watson) e Victor (voz de Johnny Depp), respectivamente, e estão prestes a se casarem. Eles nem se conhecem e a cerimônia é arquitetada pela família de ambos. Victor, porém, quando conhece a moça, sente algo. Ela, por sua vez, aceita bem a idéia de que pode viver com ele e cria afeição por esse. Quando as coisas pareciam prontas para acontecer, o inesperado chega primeiro. Sem saber, Victor faz os votos de noivado para a pessoa errada, a Noiva Cadáver. Como o nome sugere, para desventura do rapaz, uma morta. A partir daí um turbilhão de coisas acontecem. Ele vai para o mundo dos mortos, fica em conflito com seus pensamentos. Sua amada segue outro caminho forçado e ele, sem saber de nada, faz coisas que não faria se visse a verdade.

Será mesmo que pode acontecer o que esse roteiro diz, ou seja, um vivo se casar com um morto? Bom, lendo um pouco antes de me deleitar com o filme, me deparei com uma lenda do folclore russo. Ela reza a fábula de uma Noiva-Cadáver e um noivo infeliz e confuso. O casamento entre ambos acontece acidentalmente e se constitui em uma linda e macabra estória. Afirmado por Burton, esse foi o fato que o levou a escrever o roteiro do filme.

Por falar em Tim Burton, esse foi muito mais do que brilhante na feição do filme. Como dito anteriormente, muitos serão os elogios para esse cineasta. Ele resolveu fazer o filme com stop-motion, uma técnica de filmar com bonecos de massinha, pelo fato de achar que ao interagir com seus personagens, o clima fica composto por mais criatividade. A primeira vista, poderia soar chato ver um filme com tais bonecos. O diretor mostra o contrário do que poderíamos pensar. Talvez se fosse feito em animação gráfica, a demonstração não seria tão deslumbrante quanto.

Uma leva de criatividade circunda Tim Burton, isso é fato. Mas dessa vez ele sacaneou, não acham? Ele conseguiu trazer todas as suas marcas pessoais novamente. O humor-negro está presente em cada personagem, em algumas cenas e no contexto geral, se bem analisado. Um clima turvo de sombras, marcas noturnas espalhadas pelas cenas e um resultado sombrio, sem soar aterrorizante. Porque ao mesmo tempo em que cria todo esse conjunto, demonstra toques sensíveis, tocantes e apaixonantes. Devo frisar que a direção conta também com Mike Johnson, mas pelo fato de ter identificado todos os elementos que Burton trabalha, estou analisando ele mais piamente.

Acostumado a trabalhar com esse diretor, Johnny Depp aceitou mais uma vez protagonizar um filme seu. Ao mesmo tempo em que dublava esse, gravava “A Fantástica Fábrica de Chocolates” com o mesmo. Victor, personagem que ganha sua voz, é notavelmente caricaturado a partir do rosto de Johnny. Sua voz então, não poderia cair melhor como caiu. Um trabalho para ser sempre lembrado pelo ator. Victor, quando se demonstrava confuso com gestos e rostos, tinha sempre atrás uma voz deveras interpretativa. Méritos de Johnny, méritos de Tim Burton por o ter escolhido novamente.

Outros personagens também ostentam cordas vocais famosas. Helena Bonham Carter dubla a Noiva Cadáver e Emily Watson, Victoria. O trabalho exigiu muito mais do que falas, pois algumas cenas são cantadas. As duas se apresentam muito bem, principalmente Emily, com sua voz doce e branda trazendo a impressão real do que teríamos da sua personagem.

Durante o filme, somos apresentados ao mundo dos mortos. E vem aí uma pitada de humor negro. É legal que os bares de lá estão sempre abertos e as pessoas, felizes, sempre se fartando. Um esqueleto cômico, que pode ser intitulado como o bardo (pessoas que na idade média contavam as sagas dos cavaleiros em forma de versos cantados) do local, rouba a cena quando conta a estória da Noiva Cadáver. A impressão do mundo dos mortos é muito boa. Lá, a pessoas recentemente mortas são todas bem recebidas. Um fato importante a também ser ressaltado, é que os personagens foram caricaturados de forma que algumas partes de seu corpo fossem enaltecidas. Isso causa um humor diferente para cada figura.

A trilha sonora deve ser adquirida. Sim, eu vou comprar o CD dela. As músicas de Danny Elfman, hora tristes, hora cômicas, deram o toque musical-não-sacal do filme. Composições com piano e enquadramento perfeito com a voz e sensação de cada personagem, correspondendo perfeitamente a cada momento e situação que a película era transmitida. Para a parte de humor, drama e exposição da estória, a trilha foi fundamental. Em outras palavras, não poderia ter sido melhor!

Nada na vida é perfeito, entretanto, se “A Noiva Cadáver” fosse maior, chegaria mais perto de tal feito. O filme é curto, deixando algumas coisas da história de lado. Talvez pelo fato de não tornar a película cansativa e mais acessível para idades menores. Se bem que, uns minutinhos a mais não seriam uma má opção. Eu fiquei com sensação desagradável quando olhei ao final da sessão para o relógio e vi a pouca duração.

Uma trama sem gênero definido. Uma fabulosa seqüência contada com maestria por Tim Burton & CIA. Quem esperava ver mais um filme de animação, com comédia e personagens cômicos, viu além. Viu uma estória fantasiosa, boas misturas, ironia, romance, boa música e um final a par de clichês. Estou terminando, com a mesma palavra que comecei. Belíssimo!

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

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