Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 20 de março de 2006

Terra dos Mortos

Posso dizer a plenos pulmões aquilo que qualquer fã de filmes de terror já sabe há mais de duas décadas: George A. Romero é mesmo um gênio

E foi aquele alvoroço. Tem um amigo meu que só faltou chorar. Leu num site de noticias que o cara que inventou o gênero mais "cult" de todos está voltando com um filme novo. Boatos diziam que iria ser uma regravação de um filme seu, antigo, mas finalmente foi divulgado que seria um roteiro novo, sempre no estilo que ele praticamente criou sozinho, sem orçamentos milionários que Hollywood sempre ofereceu às suas estrelas. Naquela época, ele não era estrela alguma. Era um louco com uma câmera na mão e uma idéia na cabeça. O tipo de filme é o "filme de zumbis". E o diretor é George A. Romero. O suspense nunca mais foi o mesmo depois dele.

Eu sou daquela geração que nasceu ouvindo falar que os filmes de Romero eram o máximo, que "A Noite dos Mortos Vivos" era demais, e os filmes seqüentes eram igualmente geniais. Portanto, cresci assistindo filmes dele. E acredito que tenha visto quase todos. E aprendi a admirar a arte desse diretor. Seus filmes, além de serem realmente assustadores, trazem nas entrelinhas uma crítica social. E isso é que é interessante. E para o meu azar e o de meu amigo, nos cinemas da cidade não passaram esse último filme, que traz de volta o "mestre" depois de vinte anos sem filmar.

Tudo se passa trinta e tantos anos depois da ação do primeiro filme. Os mortos vivos praticamente dominaram o planeta, e os humanos restantes vivem escondidos ou em lugares protegidos. Um desses lugares é uma fortaleza cercada por rios. E dentro dessa fortaleza, há os pobres e há os ricos: os que tem dinheiro compram uma casa na luxuosa comunidade criada por Sr. Kaufman (Dennis Hopper), e os que não tem ficam do lado de fora, vivendo na miséria. Os que entram na comunidade rica são escolhidas a dedo pelo seu governante, que criou uma espécie de "governo independente", que saúda os que moram dentro e repugna os que moram do lado de fora, achando sempre um jeito de controlá-los. E há aqueles que abastecem essa cidade, resgatando alimentos nos domínios dos zumbis. São mercenários, liderados por Riley (Simon Baker). Quando este decide largar o ramo, Cholo (John Leguizamo) assume, e decide tentar subornar o grande chefe Kaufman, utilizando-se de seu tanque destruidor de zumbis, o "Destruidor". Enquanto isso, os mortos-vivos, até então burros feito pedras, passam a aprender a usar ferramentas, adquirem um pouco de raciocinio. E, com um líder (Eugene Clark) à frente, passam a ameaçar os humanos de uma maneira como nunca se viu.

Não sei como estou conseguindo escrever esse texto, pois duas horas depois de ver o filme ainda estava sem palavras. George Romero continua o mesmo, passados vinte anos depois de "Despertar dos Mortos", seu último (e igualmente brilhante) filme. Notem: a sociedade controlada por Sr. Kaufman (e verdade seja dita: interpretado com sabedoria por Dennis Hopper) não lembra os Estados Unidos? E o próprio personagem não lembra George Bush? Essas são as grandes sacadas de Romero: fazer um filme de terror com temática social. Incrível. Arrasador. Brilhante. Genial.

O que diferencia é o orçamento do filme. U$$15 milhões de dólares. Quase nada comparado com os filmes convencionais de Hollywood, mas para Romero, seu maior orçamento. E este o usou com inteligência. Contratou atores muito bons, fez uma maquiagem estupenda, e uma produção excelente. O que se vê na tela é um show dos mortos-vivos, que ainda comem carne humana como antigamente. Visceral. Não é para todos os estômagos.

O que pode deixar o espectador mais desavisado frustrado é a maneira como o diretor conduz o filme. Mas qualquer coisa que eu fale a esse respeito pode estragar, já que para isso precisaria contar algumas cenas, o que não seria legal. Guardo a surpresa para vocês que ainda não viram.

De qualquer forma, eu posso dizer para todo mundo que eu vivi para ver uma obra de gênio. Dirigido com cuidado, o filme é correto em todos os sentidos, e é melhor que muito filme com custos de U$$300 milhões que a indústria norte-americana produz. Roteiro que esconde bem atrás de excelentes sustos a verdadeira razão do filme: uma ácida critica ao governo americano.

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

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