Cinema com Rapadura

Críticas   quinta-feira, 23 de março de 2017

Power Rangers (2017): entre a nostalgia e a luta pela própria identidade

Apesar deste reboot cinematográfico da série de 1993 manter os mesmos elementos de sua contrapartes televisiva, com monstros gigantescos, robôs colossais, uma vilã feiticeira, e, claro, os cinco heróis multicoloridos, esta nova versão investe também em dilemas adolescentes mais reais, diferencial que acaba sendo o ponto forte da produção.

Criada em 1993 por Haim Saban, reutilizando cenas de luta de seriados da franquia “Super Sentai” da produtora japonesa Toei, a marca Power Rangers passou alguns anos sob a batuta da Disney. Saban, após recuperar a propriedade, alguns anos atrás, logo tratou de fazer um reboot cinematográfico da primeira série de 93, aliado com a Lionsgate, especialista em filmes voltados para o mercado Young Adult.

Apesar dos Rangers não serem estreantes nos cinemas (filmes da série foram lançados em 95 e 97), este reboot é um animal bem diferente, aproveitando elementos da série clássica de um modo mais elaborado. Dirigido por Dean Israelite (“Projeto Almanaque”) e escrito por John Gatins (“Gigantes de Aço”), o foco maior na produção – e os melhores momentos dela – é nos jovens por trás dos capacetes e em seus problemas pessoais que os impedem de alcançar seus plenos potenciais como pessoas e como Rangers.

Na trama, Jason (Dacre Montgomery), Billy (RJ Cyler, de “Eu, Você é a Garota Que Vai Morrer”), Kimberly (Naomi Scott, de “Os 33”), Trini (Becky G, da série “Empire”) e Zack (Ludi Lin, da série “Marco Polo”) encontram acidentalmente as Moedas do Poder, objetos que os dotam de força e agilidades incomuns. Ao encontrar Zordon (Bryan Cranston, da série “Breaking Bad”), um antigo Ranger que se encontra preso em sua nave, e seu assistente Alpha 5 (Bill Hader, de “Descompensada”), os cinco descobrem o legado dos Power Rangers e que sua cidade de Alameda dos Anjos e o mundo estão a beira da extinção por conta da ameaça de Rita Repulsa (Elizabeth Banks, de “Jogos Vorazes”).

Ao contrário da série, onde os protagonistas eram os protótipos dos adolescentes ideais, o quinteto desta nova versão são jovens isolados e em busca de suas próprias identidades – o que os torna mais reais e, por consequência, mais interessantes que suas contrapartes perfeitinhas.

Jason era o herói do time de futebol americano da escola até se envolver em uma brincadeira que deu muito errado; Billy é um gênio autista que não consegue se comunicar bem com os outros; Kimberly costumava ser a chefe das líderes de torcida até que um erro grave a expulsou do seu antigo grupo; Trini não consegue se encaixar na sua família por ser diferente; e Zack mantém uma postura de bad boy para disfarçar seus medos para com a grave doença de sua mãe.

Ver assuntos como homossexualidade, alienação, sexting e autismo em um filme dos Power Rangers sendo tratados de modo tão delicado é algo, no mínimo, surpreendente. Outro acerto é a construção da amizade entre os cinco e a correlação que o longa faz entre o ele entre esse arco e a ligação entre eles e a rede de morfagem. Existem referências fortíssimas de clássicos longas sobre amizade no filme, especialmente “Clube dos Cinco” (John Hughes, 1995) e “Conta Comigo” (Rob Reiner, 1986). Também é impossível não lembrar de “Homem-Aranha” (Sam Raimi, 2002) nas cenas em que os Rangers descobrem e exploram seus recem-adquiridos dons – referência está que o filme faz questão de ressaltar.

Os destaques no elenco jovem são o Billy de RJ Cyler e a Trini de Becky G. Enquanto Cyler faz um ótimo retrato de um jovem no espectro autista ao mesmo tempo em que constrói um Billy com um coração do tamanho do mundo, Becky G entrega uma Trini que se mostra necessitada por alguém que a entenda, encontrando isso nos seus novos amigos. Ludi Lin e Naomi Scott também se saem bem, mas o mesmo não pode ser dito do australiano Dacre Montgomery, cujo Jason possui o arco menos interessante dos cinco e sua liderança frente aos demais jamais parece muito segura ou natural.

O que também não funciona lá muito bem é o treinamento entre os Rangers e Alpha 5 e nem a relação de Zordon com os jovens, elementos que infelizmente ocupam boa parte do segundo ato. Enquanto o Zordon de Cranston se revela um mentor inclemente e nada carismático, o otimista robô com a voz de Hader até funciona, mas as montagens com os treinamentos ministrados por ele são longas e arrastadas. Por outro lado, Elizabeth Banks rouba a cena como a vilã Rita, com uma interpretação mais excêntrica e perigosa da vilã.

Assistindo ao longa, a impressão que se tem é que os três atos se dividem entre a boa introdução dos personagens, um arrastado treinamento, culminando na batalha dos Rangers com Rita e seu gigantesco Goldar. É neste último terço que a fita abraça o colorido de seus heróis-título e se permite ser mais leve. Apesar de dedicar tempo demais às lutas com robôs gigantes e dar pouco destaque para as lutas dos próprios Rangers, esse último ato é sim bem divertido.

No final, o que temos é um filme que pode parecer leve demais para os mais velhos e complexo demais para crianças menores, e que deve depender muito da nostalgia do público que assistia a série nos anos 1990 para se pagar, alegrando esse público com alguns bons easter-eggs, mas se sustentando como algo distinto. Mesmo com eventuais engasgos, “Power Rangers” funciona bem, embora deva lutar para encontrar sua audiência.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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