Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 22 de julho de 2016

Dois Caras Legais (2016): a magia está de volta

O criador de "Máquina Mortífera" e "Beijos e Tiros" está de volta com um surtado bromance de ação à moda antiga, recheado de estrelas e clássicos musicais, que promete levar o espectador direto para a Los Angeles de 1970.

Após realizar o trabalho de maior sucesso comercial da sua carreira, o duvidoso “Homem de Ferro 3” (2013), Shane Black está de volta com um filme que reúne os principais elementos que o consagraram, em especial o tal bromance. Foi assim quando escreveu “Máquina Mortífera” (1987) e redefiniu o gênero de ação policial, adicionando mais humor e humanidade a dupla de protagonistas Martin Riggs e Roger Murtaugh. Uma fórmula que depois virou tendência e foi copiada a exaustão.

A história de “Dois Caras Legais” se passa na Los Angeles dos anos 1970, quando uma famosa atriz pornô é estranhamente assassinada num bizarro acidente de carro. Logo após isso, a jovem Amelia (Margaret Qualley), que é filha de uma importante funcionária do Departamento de Justiça dos Estados Unidos (Kim Basinger), é sequestrada. No desenrolar dos fatos, a mãe então decide contratar o detetive particular (que está mais para capanga) Jackson Healy (Russell Crowe), um sujeito violento em suas ações e ex-alcoólatra, mas que no fundo tem bom coração.

E após uma série de acontecimentos inusitados, Jackson resolve dividir o trabalho com o atrapalhado e também investigador Holland March (Ryan Gosling), que havia sido contratado pela velha tia da atriz que foi morta (e que também foi contactado pela mãe de Amelia), mas era descrente com a situação do acidente. No entanto ambos percebem que há relação entre os dois casos e descobrem uma conspiração chocante que atinge até os mais altos círculos de poder do estado.

No entanto o grande barato aqui é a relação da dupla de detetives, principalmente pelo clima que os cerca e o background que possuem. São sujeitos um tanto judiados pela vida, mas que tentam seguir em frente, ainda que de forma trôpega. E mesmo que o trabalho seja importante para isto, a amizade e a proximidade é sem duvida o principal fator para a evolução.

Especialmente para Healey, que tem uma conduta simples, emana uma estranheza particular e exibe hábitos curiosos, bem como eram os personagens das histórias noir. Enquanto March não se preocupa muito com escrúpulos, ou na verdade não tem consciência deles, basicamente leva a vida pensando que tudo vai melhorar. Mas durante o desenrolar da trama, ambos compreendem que para as coisas mudarem é preciso que façam algo diferente.

E no que se refere à condução narrativa, Shane Black se destaca por sair um pouco do estilo que vemos hoje em Hollywood, e isso não só pelo longa excluir qualquer urgência nas cenas ou mesmo ter a cara de uma outra época e caminhar particularmente de forma episódica, mas por apostar também numa linguagem que possui um humor negro latente, quase semelhante ao que vemos nos filmes dos Irmãos Coen. Como é notado na abordagem feita com o núcleo infantil, onde garotas falam sobre sexo abertamente, dirigem automóveis, estão envolvidas em situações cabeludas e muitas vezes agem de maneira mais adulta e honesta que seus responsáveis.

A química ou o feeling dos atores é algo fundamental para que tudo funcione bem, o que felizmente acontece por aqui, e isso já podia ser notado desde que Ryan Gosling e Russell Crowe começaram a divulgar a produção. Pareciam muito envolvidos e felizes com a realização do projeto, levando até para as cerimonias de premiações um pouco destes personagens. Que por sinal parecem ter sido escritos exatamente para eles, onde suas personas se encaixam bem ao estilo empreendido. Estão muito à vontade em cena e mesclam bem os momentos cômicos e as tomadas de ação. Mas não são só eles que merecem o destaque, o trabalho da garota Angourie Rice, que interpreta a filha de March, é verdadeiro e envolvente. Assim como Margaret Qualley convence como a precoce Amelia e quando é exigida numa cena de grande carga dramática dá conta do recado.

Não tem como falar de “Dois Caras Legais” sem elogiar a maravilhosa trilha sonora montada por David Buckley e John Ottman, recheada de canções das bandas The Temptations, Al Green, Bee Gees, KISS e outros nomes incríveis que, assim como naquela década, embalaram essa trama e deram um plus a mais. A direção de arte também é digna de nota, já que muitas cenas externas e ângulos abertos imprimem perfeitamente a Los Angeles de 1970, sem que jamais estranhemos os elementos presentes, bem como o maravilhoso e eficiente figurino. A fotografia do experiente Philippe Rousselot é a cereja do bolo, pois com tons mais clássicos e amarelados nos transporta diretamente para àquele universo.

Talvez o ritmo peculiar, a linha de atuações ou mesmo algumas tiradas mais antigas – como gags extravagantes e cheias de caras e bocas – possam causar certa estranheza no público casual, mas de maneira geral o longa deve divertir e após os créditos finais deixar um gostinho de quero mais para novas aventuras desses dois malucos. E para quem aprecia o bom cinema, foi ótimo rever Shane Black fazendo aquilo que sabe de melhor e entregando um filme que, mesmo sendo entretenimento puro, carrega consigo temas delicados e personagens interessantes.

Wilker Medeiros
@willtage

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