Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 14 de abril de 2016

Visões do Passado (2015): ao invés de medo, o filme dá sono

Escolhas erradas e um roteiro que evidentemente não passou por mais de um tratamento, fazem dessa história uma tragédia traumática para toda a vida.

visoes_do_passado_baixaAlguns veem Adrien Brody como uma das maiores decepções de Hollywood. Isso porque depois de vencer o Oscar de Melhor Ator por “O Pianista” (2003), seus desempenhos seguintes nunca estiveram à altura das expectativas criadas sobre ele. Tirando certo exagero de dizer que ele nunca mais fizera nenhum outro bom trabalho, o fato é que o a maioria de seus papéis são esquecíveis, talvez até mesmo pelo estilo contido e minimalista de sua atuação em meio a tantos exageros em cena. Não podemos esquecer, porém, que em pequenos projetos, como a minissérie “Houdini” (2014) e o filme “O Substituto” (2011), o ator entregou bons trabalhos em histórias interessantes, embora ainda longe de qualquer semelhança àquele nível de primor de seu inesquecível Wladyslaw Szpilman. Assim, da mesma forma que ele fora o homem certo para o viver o judeu protagonista do filme de Roman Polanski, pode-se dizer que, em “Visões do Passado” (2015), ele é o homem errado para o filme errado.

Mas a culpa dessa tragédia épica não é dele. Se há alguém a ser culpado, provavelmente é Michael Petroni, experiente roteirista de projetos comerciais sem muita personalidade, como “O Ritual” (2011) e “A Menina que Roubava Livros” (2013). Aqui, é dele não apenas a história, como também a direção, e em cada escolha vê-se que sempre a pior das opções foi escolhida.

Um psiquiatra atordoado pela morte da filha tem que rememorar um história esquecida de seu passado, que vem à tona misteriosamente através de seus pacientes. Para tanto, ele volta à sua cidade natal, onde reencontra seu velho pai e tenta reconstruir essa narrativa traumática, arriscando perder sua própria sanidade.

A trama, de forma um tanto óbvia, pretende brincar com a jogada de colocar um psiquiatra à beira da loucura, mas passa longe de qualquer originalidade. Ainda assim, é o tom que consegue fazer o desastre ser ainda maior, uma vez que parece sempre inseguro em escolher entre os gêneros terror, com suas trucagens clichês e sustos bobos de fantasmas mal maquiados, ou suspense, onde talvez se adequasse melhor. Ainda assim, não tenho certeza se sendo fiel a apenas um gênero o filme escapasse da total desgraça. Muito retrabalho ainda teria que ser feito na história de Petroni, que parece ter filmada ainda no primeiro tratamento, sem revisões. O nível dos erros são tão crassos que, ao iniciar o segundo ato, mata-se todo o primeiro ato da trama, jogando a audiência num outro cenário, com outros antagonistas e objetivos. A tentativa de quebrar ousadamente a narrativa, talvez inspirado em Hitchcock, só acaba fazendo com que o espectador sinta-se como tendo sido expulso de um filme e jogado em outro.

Da mesma forma como as duas metades da história não se encaixam, também os personagens secundários não têm razão nem porquê, não servindo a grandes coisas, com exceção do pai do protagonista (George Shevtsov). É o caso da esposa do psiquiatra, coitada, com quem o filme começa numa triste cena de agonia e depressão, onde logo entende-se que algo aconteceu com esse casal, mas que é simplesmente abandonada em meio às pobres reviravoltas da história. Nem mesmo o experiente e querido Sam Neill não tem um personagem com nenhuma função específica, tampouco qualquer chance de brilhar.

Diante de um arco dramático pessimamente construído, mesmo querendo lidar com questões complexas como memória, trauma, violência e opressão, a queda desse projeto é tão vertiginosa que rapidamente tudo contamina-se pela falta de coragem e excesso de fórmulas clichês. Ao optar pelas pitadas de terror, não apenas tira-se todo caráter sério em tratar desses assuntos, como desmonta-se a trama à uma bandeja que visa servir a pequenos sustos no espectador, embora nem mesmo isso funcione. Todas as alucinações e rememorações do protagonista são tão enfadonhas e repetitivas, que tiram a história central de perspectiva. Querendo complexificar sua obra de maneira artificial, o autor assassina sua trama principal.

Brody, desconfortável em cena, não parece saber como reagir com o nível de exagero que o diretor parece ter pensado. Qualquer ator mais canastrão, como Nicolas Cage, faria caras e bocas que dariam conta das cenas toscas dessa história e até poderiam satisfazer aos espectadores menos exigentes. Porém Brody, com sua delicadeza e seriedade inevitáveis, só produz desconforto. O único sentimento lhe honesto é o da depressão, mas isso não é nojo, de fato algo que o ator entrega à maioria de seus papéis, basta conferir. Assim, querendo brincar com a metalinguagem de um psiquiatra à beira da loucura, Michael Petroni só consegue fazer seus espectadores saírem da sessão um pouco depressivos.

Por tudo isso, “Visões do Passado” segue ladeira abaixo por longos noventa minutos. No começo, até nos permitimos relevar alguns clichês e temos o esforço de embarcar na narrativa – até porque, ver um filme odiando-o a priori é de um estupidez sem tamanho. Porém, o filme faz questão de nos decepcionar o tempo todo, transformando uma história que à princípio poderia até ser interessante em um verdadeiro descarrilamento.

Vinícius Volcof
@volcof

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