Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 05 de novembro de 2015

Os 33 (2015): uma prova real de como desperdiçar uma poderosa história

Pouco criativo, longa possui apenas um ou outro momento mais inspirado, que se deve mais à força da história real contada, do que à competência com que seus realizadores a abordam.

A história ostrintaetresdos 33 chilenos (na verdade, 32 chilenos e 1 boliviano) soterrados na mina de San José, no deserto do Atacama, emocionou o mundo inteiro no segundo semestre de 2010. Após mais de dois meses enclausurados esperando resgate, o grupo finalmente foi salvo após uma série de operações complexas que envolveram vários países, mas que virou motivo de orgulho mesmo para o povo do Chile, que viu na força de superação daquelas pessoas, um reflexo da garra e história de luta da sua própria gente, sendo um evento catalisador do nacionalismo chileno. Impossível não ficar tocado com tamanha catarse.

Neste sentido, é espantoso ver que, no intuito de representar o ocorrido em tela grande, seja feito um filme com atores e atrizes consagrados de diversas nacionalidades (dos principais, nenhum chileno), mas todo falado… em inglês. É uma opção compreensível se colocarmos em perspectiva apenas o lado comercial e o fato de o longa poder ser vendido com mais facilidade no maior mercado cinematográfico do planeta, Hollywood, mas inaceitável do ponto de vista da verossimilhança, que enfraquece completamente a suspensão de descrença de uma história que deu tanto orgulho para o país onde ela aconteceu.

Dirigido por Patrícia Higgen e escrito a partir do livro de Hector Tobar por Mikko Alanne, Craig Borten, José Rivera e Michael Thomas, “Os 33” conta com astros consagrados em seu elenco, como o espanhol Antonio Banderas, o brasileiro Rodrigo Santoro e a francesa Juliette Binoche, todos muito bem como sempre, mas subaproveitados. Talvez com exceção do Mario Sepúlveda de Banderas, com um desenvolvimento um pouco melhor, todos os outros personagens parecem deslocados e unidimensionais, fazendo com que seja impossível uma identificação maior com qualquer um deles e seus dramas pessoais.

Aliás, este é um dilema que os realizadores parecem enfrentar a todo instante: afinal, o que estamos acompanhando é um filme de drama ou um filme catástrofe? Não me soa muito prático desenvolver o drama de 33 pessoas e seus familiares, além de outros personagens que também pedem tempo em tela, em menos de duas horas de projeção, sendo a opção pela segunda alternativa uma escolha mais inteligente, a meu ver. Todavia, mesmo quando opta por trabalhar melhor a parte trágica da trama, o resultado também não é lá muito eficiente, resultando em sequências de ação medianas e outros momentos apenas razoáveis.

Dessa forma, nos dois primeiros atos, o que temos é somente um ou outro momento mais inspirado e nada muito além disso. A cena em que os mineiros estão praticamente sem esperanças e protagonizam uma espécie de delírio coletivo, onde suas famílias lhe servem uma fartura de comidas em um super banquete, em especial, é admirável. Ainda que realizada de modo um tanto quanto estranho, a proposta de se fazer um paralelo com a última ceia de Cristo é ousada e poética, e o efeito causado é bastante satisfatório.

Assim, acaba ficando a sensação que o resultado final poderia ter sido bem melhor. Ainda que o terceiro ato seja emocionante, ele o é muito mais pela força da história que os realizadores tinham em mãos, do que  pela capacidade de colocá-la com competência e esmero no papel e, consequentemente, na tela do cinema.

Arthur Grieser
@arthurgrieserl

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