Cinema com Rapadura

Críticas   terça-feira, 14 de julho de 2015

Cidades de Papel (2015): sobre idealizações e maturidade

Na tradição de filmes como "Clube dos Cinco", "Gatinhas e Gatões" e até mesmo de "Conta Comigo", esta adaptação do livro homônimo de John Green consegue falar com temas pertinentes à geração contemporânea de maneira doce e honesta, sem jamais se converter em um sermão chato.

É uma daquelas coincidências cósmicas que este “Cidades de Papel” chegue aos cinemas no ano que marca o trigésimo aniversário de “Clube dos Cinco” (1985, John Hughs). Isso porque, a despeito de serem separados por três décadas (ou 23 anos, considerando que John Green escreveu o livro no qual longa aqui analisado foi baseado em 2008), as duas obras se comunicam muito.

E uso o termo “comunicam” não como um eufemismo para “plágio” ou “homenagem”, mas há um sincero diálogo entre os dois longas. Isso porque o tema da identidade adolescente, peça fundamental das duas fitas, é atemporal e se mostra tão relevante hoje quanto nos anos oitenta, talvez até mais, tendo em vista a pressão crescente que nossos jovens sentem ara serem felizes e bem sucedidos, mesmo que as vezes eles mesmos não tenham maturidade suficiente para alcançar uma definição para esses termos.

Dirigido com segurança por Jake Schreier (do interessante “Frank e o Robô”), “Cidades de Papel” se mostra um trabalho mais maduro que a outra obra de Green levada para o cinema, “A Culpa é das Estrelas” (2014, Josh Boone) justamente por contar uma história mais prosaica, mundana. Como já dizia Harvey Pekar, “a vida cotidiana é complexa”.

Escrito por Scott Neustadter e Michael H. Weber (que também adaptaram o texto de “A Culpa é das Estrelas”), o roteiro é centrado em Quentin (Nat Wolff), um dedicado e certinho estudante do ensino médio prestes a entrar em uma prestigiada faculdade de medicina. Q, como é chamado pelos seus amigos Ben (Austin Abrams) e Radar (Justice Smith), está perdidamente apaixonado por sua vizinha, Margo (Cara Delavigne), sua outrora amiga de infância que basicamente o abandonou quando tornou-se popular.

Quando Margo é traída pelo seu namorado, ela recruta Q para ajudá-la em sua vingança de uma noite. Após essa breve reconexão, Margo some, deixando algumas pistas sobre seu paradeiro. Q, Ben e Radar, acompanhados pela namorada deste último, Angela (Jaz Sinclair) e pela amiga de Margo, Lacey (Halston Sage), decidem partir em uma rápida viagem para encontrar Margo, uma aventura antes de todos irem para suas respectivas faculdades.

Apesar do nome e do belo rosto de Cara Delavigne estamparem basicamente todas as peças publicitárias do filme, sua Margo tem pouco tempo de tela. O mérito do filme é que ele é absolutamente consciente de que enxergamos a garota pelos olhos apaixonados de Quentin, que a colocou em um pedestal absurdo. A imagem que Q tem de seu objeto de desejo (e que todos fazem da moça) simplesmente não sobrevive quando confrontada com a verdadeira Margo. Por isso que não é demérito para o longa a relativa falta de química entre Delavigne e Wolff.

É impossível para Q durante boa parte do longa ver Margo além da imagem idealizada que ele tem da moça, mesmo quando a própria diz para ele que participou de uma cruel brincadeira com seus “amigos” da qual ele foi vítima. Ao mesmo tempo, entendemos também que a própria Margo vive em um inferno pessoal onde só o que as pessoas ao seu redor enxergam é a fantasia que possuem dela, não seu verdadeiro eu, o que dá maior impacto as ações da personagem, por mais que estas tenham um ranço egoísta.

Em contrapartida, as interações entre Q, Lacey, Ben, Radar e Angela se mostram espontâneas e bastante verdadeiras, funcionando inclusive quando o longa assume sua porção road movie. Aí temos o diálogo com “Clube dos Cinco”. Nos dois filmes, vemos jovens que são vistos como estereótipos tentando gritar para o mundo que eles não são unidimensionais, que não são apenas uma coisa.

Neste sentido, Nat Wolff e Halston Sage dividem uma forte e comovente cena na qual Lacey revela a dor que sente – e nesse breve momento há uma conexão maior entre Q e Lacey do que em todas as cenas do protagonista com Margo somadas.

No decorrer de seus 109 minutos, “Cidades de Papel” emociona, faz rir (há uma sequência envolvendo a música-tema de uma certa série infantil clássica que é hilária), dá uma certa vergonha alheia com as mancadas exageradas de Ben (que só não cansam devido ao carisma de Austin Abrams) e traz uma agridoce reflexão sobre amor e identidade. Pode ser que não estejamos a falar do longa daqui a três décadas, mas hoje ele consegue discutir de maneira doce e honesta sobre temas complexos que falam à alma da geração atual.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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