Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 01 de dezembro de 2014

O Casamento de Gorete (2014): quando simplesmente nada funciona

Uma constrangedora obra que aspira ser uma comédia, mas que melhor teria se encaixado em um desses péssimos programas de "humor" de nossa TV aberta.

Tudo é uma mera questocasamentodegorete_21ão de perspectiva. Se o objetivo dos realizadores deste “O Casamento de Gorete” tenha sido fazer um filme horroroso e que fizesse o espectador lutar para não sair no meio da sessão, a nota indubitavelmente seria a máxima e a presente análise seria basicamente só elogios. Como acredito que não seja este o caso (afinal, seria muita petulância atribuir tamanha genialidade à tal obra), a coisa muda de figura. O que sobra é um trabalho de péssima qualidade e humor chulo, onde praticamente (e este “praticamente” é uma cortesia da minha parte) nada se salva.

Escrito e dirigido por Paulo Vespúcio, o longa conta a história da popular apresentadora de rádio Gorete (Rodrigo Sant’anna), um travesti. Após ser rejeitada pelo pai, naquela que é provavelmente a melhor cena (ou a única verdadeiramente boa?) do filme, ela vai embora de casa e tem que, a partir daí, se virar por conta própria. Tudo muda quando ela recebe uma carta inesperada do dito cujo lhe oferecendo toda a sua herança. Acontece que, para ter acesso a esta, Gorete terá que arranjar um bom partido para se casar.

Obras com temática da diversidade sexual estão virando rotina nos últimos anos. Não que elas nunca tenham existido, é claro. O cineasta espanhol Pedro Almodóvar, por exemplo, é conhecido por frequentemente colocar indivíduos caracterizados por este tipo de faceta em suas películas. Mais recentemente, podemos indicar o francês “Azul é a Cor Mais Quente” como um filme emblemático neste sentido e – por que não? – o ótimo documentário nacional, que acredito não ter chegado ao grande circuito, “De Gravata e Unha Vermelha”, de Miriam Chnaiderman. Assim, quando temos uma grande estreia como esse “O Casamento de Gorete”, com seus estereótipos escancarados e (falta de) humor chulo, isto só faz ir na contramão da maré cinematográfica que vem apresentando trabalhos tão interessantes e originais sobre o tema.

Como já dito, pouco ou quase nada se salva. O que chega a ser uma pena, pois a cena que abre o longa, com o filho sendo deserdado por um pai conservador após ser flagrado com outro garoto, promete, apesar de ser uma comédia, uma trama densa, envolvendo os dramas do protagonista, seus fantasmas do passado, etc. Caso tivesse focado com um pouco mais de sensibilidade este lado, talvez a obra diminuísse o prejuízo, mas nem a isso os realizadores se deram o trabalho.

O que acontece depois daí, portanto, nada mais é do que a junção de uma série de situações constrangedoras onde o “humor bicha” é levado para o lado mais escancarado e sem graça possível. O que é curioso, uma vez que o longa seria, na teoria, uma obra que servisse “à causa” LGBT, mas o que ocorre é exatamente o contrário. Por vezes, o excesso visual e “cômico” da película chega até a flertar com o preconceito, como se todo homossexual precisasse ser uma criatura escandalosa, mesquinha e extravagante. Simplesmente nada funciona; o roteiro é bizarro, nenhum personagem é carismático ou interessante, a trilha sonora é forçada e dispensável, a direção é horrorosa, enfim… um desastre completo.

Fica até difícil para escrever sobre um trabalho como esse. Se me estender demais parágrafo após parágrafo, acabarei me tornando repetitivo nas críticas, e aí cairia na própria armadilha do filme; de repetir as mesmas piadas de péssimo gosto e nenhum requinte minuto após minuto. Neste sentido, “O Casamento de Gorete” é uma obra que se encaixaria muito melhor – ou “menos pior” – em um daqueles programas televisivos de humor que são transmitidos sábado à noite e todos, infelizmente, conhecem. Assim, pelo menos poderíamos simplesmente mudar de canal. No cinema, mudar de canal não é uma opção. E, definitivamente, isso aqui não é cinema.

Arthur Grieser
@arthurgrieserl

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