Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 20 de novembro de 2014

O Ciúme (2013): trabalho semi biográfico resulta em drama sensível

Philippe Garrel busca memórias do passado familiar para injetar em um filme simples e tocante.

ciume-1“O Ciúme”, novo filme do diretor francês Philippe Garrel, não poderia ser um programa mais familiar, embora o que vemos na tela seja justamente o desmantelamento dessa instituição social. Se, por um lado, o filme mostra as tentativas e falhas em se manter um relacionamento (amoroso ou em família), os seus bastidores mostram os acertos: o diretor coloca em cena seus próprios filhos, os atores Louis e Esther Garrel, para contar uma história inspirada em seu pai, o ator Maurice Garrel, com sua segunda esposa, Caroline Deruas-Garrel, como co-autora do roteiro.

O filme conta a história de Louis, um jovem ator que abandona a esposa, Clothilde (Rebecca Convenant), e a filha, Charlotte (Olga Milshtein). Ele passa a viver com Claudia (Anna Mouglalis) uma relação amorosa, porém instável, marcada pela insatisfação da moça com o ostracismo no campo profissional. A aproximação de Louis com a filha e as complicações financeiras do casal vão tornando a vida do casal cada vez mais difícil.

Não raro, o foco de “O Ciúme” recai no que fica nas entrelinhas, uma vez que a relação entre os personagens é marcada pelas falhas de comunicação que fazem com que um não entenda o outro. Coincidentemente, Claudia surge como a personagem mais ativa, procurando trabalho, chorando, sendo também quem expressa mais claramente suas insatisfações a Louis. Este, por outro lado, vai levando a vida com mais tranqüilidade, embora também viva dilemas, tal como ceder ou não às “tentações” amorosas que surgem pelo caminho e como lidar melhor com a filha.

A câmera de Philippe Garrel se aproxima com naturalidade de seus personagens, deixando um espaço de respiro apenas para esses não-ditos e trabalhando com sutileza o ciúme que dá título ao filme: Louis não gosta nada do admirador que dá à Cláudia um novo apartamento para o casal, Cláudia teme que Louis a abandone, Clothilde não procurou outro parceiro após a separação com Louis, e mesmo a pequena Charlotte fala sempre menos que o necessário para mostrar ao pai como o ama. O equilíbrio entre silêncio e proximidade é o que faz com que o filme não resulte numa obra fria, com a qual o espectador não conseguiria se identificar. A partir desses pequenos ciúmes e pequenos detalhes que o destino dos personagens se delineia de forma que o público pode sentir empatia, embora nada esteja dado de bandeja ao espectador, resultado de um roteiro que, por ser simples, é mais inteligente do que parece à primeira vista.

Aliado a isso, “O Ciúme” é um filme visualmente belo. Filmado em preto-e-branco, cortesia do diretor de fotografia Willy Kurant (de “Masculino, Feminino”), o contraste e, em especial, a dominância do branco marcam também no plano visual a simplicidade já citada no roteiro. Os planos são tradicionais, trabalhados com poucos movimentos de câmera, fazendo o espectador se focar totalmente na trama, e não em algum aspecto particular da utilização da linguagem cinematográfica. Novamente, é uma decisão esperta, além de uma característica da filmografia de Garrel, um diretor que nunca teve um grande orçamento para seus filmes e que sempre teve que buscar soluções inteligentes para a imersão do público em suas tramas.

Para um filme que traz em seu cerne questões tão delicadas, Garrel mostra um domínio impressionante de como conduzir a trama sem dar a sua obra um gosto amargo. Se levarmos em consideração também que ele dedica o filme ao pai, “O Ciúme” mostra-se como uma terapia bem menos traumática que se esperaria.

Susy Freitas
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