Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 27 de setembro de 2014

Cuba Libre (2011): os preconceitos de uma antiga ilha

Documentário tropeça em sua forma geral, mas é bem sucedido ao instigar a reflexão sobre o preconceito contra homossexuais em Cuba.

101298.jpg-r_640_600-b_1_D6D6D6-f_jpg-q_x-xxyxxEm determinado momento de “Cuba Libre”, um entrevistado diz que “escolheu” a homossexualidade em um ato de rebeldia. Já havia estado com homens e mulheres antes, se sentindo bem com ambos, esclarece, mas preferiu os homens por um ato revolucionário.  Um ato revolucionário que vai contra o que se chama de “sentimento revolucionário” em Cuba.

Passando recentemente por discretas mudanças em sua política econômica, o país de Fidel caminha gradativamente para uma readaptação de seu sistema comunista sem, entretanto, descartá-lo. Infelizmente, mas não de maneira surpreendente, mudanças no plano ideológico acontecem no mesmo ritmo lento.

Se debruçando de maneira multifacetada sobre o tema da homofobia, “Cuba Libre” se ancora na história da atriz transexual Phedra D. Córdoba para traçar um paralelo com a situação dos homossexuais em Cuba. Nascida em Havana, mas residente no Brasil há mais de 50 anos,  Cuba abandonou Phedra devido ao preconceito e intolerância. Pode-se dizer que, na verdade, o país abandonou uma de suas cidadãs e mais talentosas artistas, já que, do lado da protagonista, mesmo com toda a perseguição sofrida, não há ressentimento.

Em uma entrevista composta por um belíssimo plano no qual a atriz está de costas para Havana, voltada para o canto do quadro e nele oprimida, ela descreve, ainda com encanto, as maravilhas da capital cubana. Não se nota mágoa em relação à pátria que não a acolheu de maneira apropriada, mas o desenvolvimento de uma consciência que viria a representar o orgulho e a luta a favor dos homossexuais.

E Phedra é realmente uma personagem cativante. Passando dos 60 anos, mostra uma vivacidade que impressiona. Dotada de um espírito de luta moldado a partir do apoio de seu pai e de uma antiga amiga em Havana, dos quais fala com bastante carinho, sua vontade pela vida e pela arte se mostra a cada frame em que aparece em tela.

Os cabelos ruivos dão o tom da fotografia avermelhada, que remete não só ao ambiente tropical, mas também à história de um país cujas marcas de um antigo regime ainda se notam com clareza. De frente para um espelho, a cor dos cabelos complementa o azul da paisagem refletida, desta vez, para marcar um discurso sobre sua própria identidade com as cores da bandeira cubana.

Do ponto de vista da estrutura narrativa, o espectador transita entre o passado e o presente de Cuba de maneira fluida e espontânea, ao passo que a própria protagonista tenta reconhecer sua terra natal depois de tantos anos longe, percorrendo cada locação sendo conduzida por sua memória. E não é difícil se emocionar quando ela encontra de surpresa um dos locais mais significativos para o início de sua carreira, trocando lágrimas por um número que encerra o filme com a mesma música que é cantada na abertura. Assim, um ciclo é encerrado na figura de quem finalmente volta ao lugar onde começou e de onde fugiu, experiente e como um símbolo da luta a favor de sua causa.

Mas se a reflexão provocada por “Cuba Libre” é pertinente e tocante, sua forma parece pouco polida. Enquanto a tendência dos documentários atuais tem sido de construir a narrativa no momento da ação, a montagem do longa corre no sentido contrário. Irregular, entrava o ritmo da projeção em longos planos estáticos e sem imagens de cobertura nas entrevistas, o que tende a engessar a dinâmica e resultar na perda de atenção do espectador. E quando finalmente se utiliza de imagens para ilustrar os depoimentos, parece fazê-lo com maior preocupação estética do que efetivamente com o sentido adquirido.

Uma viagem por uma faceta desconhecida da ilha de Fidel, “Cuba Libre” consegue comover ao tempo em que problematiza a situação dos homossexuais no país.  Ancorado em uma personagem carismática e com uma fotografia de belíssimos planos – tão representativos que parecem ser usados a esmo pela montagem –, o documentário tem seu ápice quando, em um depoimento, questiona o potencial permissivo da arte em relação à vida. Fica claro que a vida deveria permitir mais.

Mateus Almeida
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