Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Paraíso (2013): os dramas e risos de mudar e aceitar a si mesmo

Obra mexicana lida de maneira sensível com os traumas de um casal que, após uma série de mudanças, sejam graduais ou repentinas, acabam desgastando uma relação até então perfeita.

imageDurante o curso da vida, todos nós mudamos. Endereço, aparência, gostos, opiniões… Mas quando temos outras pessoas nas nossas vidas, será que elas continuam conosco após essas mudanças? Esse é o grande tema por trás da dramédia “Paraíso”, longa mexicano escrito e dirigido por Mariana Chenillo, baseado no conto homônimo de Julieta Arévalo.

A trama segue as desventuras de Carmen (Daniela Rincón) e Alfredo (Andrés Almeida), um feliz e rechonchudo casal que vive uma vida maravilhosa em uma das cidades-satélites ao redor da Cidade do México. Quando Alfredo é promovido e eles são obrigados a mudar para a capital, as pressões sociais e estética, bem como a frieza e o distanciamento da vida na capital, passam a afetar o relacionamento dos dois.

A bela cena inicial, que mostra os protagonistas acordando em seu último dia no paraíso suburbano onde até então viviam, retrata muito bem quão confortáveis e contentes os dois estavam um com o outro, sem jamais se importarem com os tais quilos a mais que tinham, chegando até mesmo a fazer piada com isso, referindo-se carinhosamente um ao outro de “gordo” e “gorda”.

Apesar de a história se estender por um pouco mais de um ano, esta jamais se torna episódica, graças ao bom trabalho de construção narrativa da diretora e roteirista Mariana Chenillo, que trata dos seus personagens com uma sensibilidade admirável. Seria fácil vilanizar qualquer um dos protagonistas por conta do afastamento entre eles, uma divisão anunciada até mesmo visualmente, em um plano que os mostra separados por uma pilastra. Mas Chenillo e o casal central seguram muito bem o rojão e impedem que acabemos por tomar lados.

As tensões entre os dois vão se acumulando à medida que Alfredo muda, em um processo iniciado pela própria Carmen, que se encontra em uma existência estagnada e solitária, sem saber o que fazer consigo mesma enquanto o seu marido parece se adaptar muito bem ao seu novo ambiente. Alfredo jamais percebe quão machucada Carmen realmente está pelas mudanças que ocorreram, não por mera desatenção, mas porque ele não estava acostumado a vê-la fragilizada. Nisso, surge uma óbvia falta de comunicação entre os dois que leva a um gradual afastamento.

Neste sentido, a química entre Daniela Rincón e Andrés Almeida funciona tanto nos momentos alegres quanto nas brigas. A entrega dos atores aos seus personagens é admirável, bem como a disposição da novata Rincón em expor tanto de si, sem medo da ditadura da beleza geralmente imposta àquelas que estrelam produções para o cinema.

Ao contrário de alguns filmes que usam a estética fora do “padrão” para ridicularizar os outros, a mensagem aqui é de auto-aceitação. Ressalte-se ainda a qualidade da maquiagem usada para dar os quilos a mais necessários para Andrés Almeida compor seu Alfredo, em um trabalho técnico que não deixa nada a desejar aos mostrados em produções estadunidenses.

O fato de conseguir fazer o público rir e se importar com aquelas figuras se utilizando de temas sérios e sem reduzir esses assuntos ao menor denominador comum é digno de aplausos, além de ser uma lição que alguns cineastas e atores, que se gabam de seus sucessos de bilheteria desprovidos de qualquer conteúdo, deveriam aprender.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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