Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 24 de abril de 2014

Eu, Mamãe e os Meninos (2013): cineasta francês estreia com estilo

Dirigido, roteirizado e protagonizado por Guillaume Gallienne, o longa mostra os conflitos e as descobertas do ator em relação à sua sexualidade.

poster - eu mamae e os meninos

O acúmulo de funções em um único indivíduo é sempre algo complicado no cinema. Ainda que contribua para tornar a obra coesa, muitas vezes dá lugar à autoindulgência e ao embaraço (M. Night Shyamalan que o diga). Dessa forma, é sempre uma surpresa quando um cineasta estreante, que também roteiriza e protagoniza seu projeto, entrega um filme de tamanha qualidade. Comédia divertida e sem bandeiras, “Eu, Mamãe e os Meninos” cativa e prende quem o assiste.

A trama, baseada em uma peça inspirada no próprio ator/diretor/roteirista, acompanha o jovem Guillaume (Gallienne), à medida que ele se descobre sexualmente. Em paralelo, o roteiro mostra sua extrema identificação com a mãe e, por conseguinte, suas tentativas de mimetizá-la. Extremamente ágil em seus 85 minutos, a película já começa repleta de significados. Ao apresentar seu protagonista tirando a maquiagem antes de começar seu monólogo, Gallienne evidencia que sua história será contada sem qualquer máscara.

Praticamente carregando o projeto nas costas, o cineasta estreante consegue incluir temas delicados no que nada mais é do que uma (boa) comédia pastelão. Sem parecer forçado ou artificial, o ator interpreta dois personagens com muita naturalidade, além de jamais nos fazer duvidar de seus dramas, ainda que gargalhemos com eles.

Inteligente em seu design de produção, com ambientes agradáveis e que não chamam muita atenção para si próprios, favorecendo a ação, o projeto ainda conta com um bom elenco de apoio. A belíssima Diane Kruger aparece em uma quase ponta, interpretando uma massoterapeuta com técnicas bem peculiares.

Sem querer chamar atenção com sexo e nudez como outros longas franceses recentes, “Eu, Mamãe e os Meninos” também entra no rol de filmes que abordaram com sensibilidade as questões sexuais de seu protagonista. Criado como se fosse uma menina antes mesmo que pudesse ser maduro o bastante para definir sua própria personalidade, Guillaume evita transformar a própria vida em um dramalhão. Sua interpretação da própria mãe é melhor ainda que a de si próprio, deixando claro que, ao imitá-la, ele é apenas um rascunho dela. Ao passo que ela é uma mulher bem à vontade com sua vida e posição, ele exibe um ar de mimetização permanente.

Não deixa de ser incrível uma comédia trabalhar temas como descoberta e amadurecimento, alternando entre situações mais e menos introspectivas. Sem perder o senso estético, Gallienne compõe seus quadros com segurança e é preciso no uso de cores, resultando em momentos de irretocável beleza plástica, como na cena do afogamento.

Semelhante em vários aspectos ao nacional “Minha Mãe é uma Peça”, ambos com origem teatral e inspirados na mãe do protagonista, o projeto levou cinco prêmios César (os mais importantes do cinema francês), incluindo melhor ator e melhor filme. A produção participou do Festival Varilux e entra em cartaz no circuito comercial no dia 1º de maio.

Esse filme fez parte da programação do 5º Festival Varilux de Cinema Francês, em abril de 2014.

Bernardo Argollo
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