Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 21 de abril de 2014

Uma Viagem Extraordinária (2013): uma jornada para superar a dor

Jean-Pierre Jeunet trilha jornada sobre a aceitação da morte pelo caminho mais fácil.

XP TS SPIVET 120 ANGLAISA psiquiatra suíça Elizabeth Kubler-Ross, em 1969, escreveu seu livro mais famoso, intitulado “On Death and Dying”. A obra ficou marcada pelo discurso dos cinco estágios que a pessoa pode sofrer no processo do luto: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. Estágios que não precisam estar necessariamente nesta ordem e também podem acontecer em qualquer outro momento doloroso na vida de alguém. Focando mais em alguns e deixando outros sem muito aprofundamento, o novo filme de Jean-Pierre Jeunet lida com este tema delicado até certo ponto com maestria, porém o diretor se perde quando escolhe não se aprofundar no assunto.

Adaptado do livro de Reif Larsen por Guillaume Laurant e o próprio Jeunet, “Uma Viagem Extraordinária” – primeiro trabalho de Jeunet falado em inglês desde “Alien: A Ressurreição” – conta a história de T.S. Spivet (Kyle Catlett), um garoto prodígio de 10 anos que inventou uma máquina de movimento perpétuo (a invenção serve como uma linda metáfora sobre a vida) e, graças à façanha, ganhou um importante prêmio e é convidado para recebê-lo em uma cerimônia na capital dos EUA. Contudo, Washington D.C fica do outro lado do país e, para não preocupar seus pais, que ainda estão lidando com a morte de seu irmão mais novo, decide sair da fazenda em uma viagem solitária.

Engana-se quem pensa que esse é um pequeno road movie sobre um garoto em busca de sua realização pessoal. T.S. não sai de casa por causa do prêmio ou para que a família comece a valorizá-lo, ele foge da recente dor causada pela morte do irmão, sentindo-se responsável pela tragédia. É o estágio da negação e isolamento. A mãe, a Dr. Clair (Helena Bonham Carter), mergulha nos estudos sobre insetos; o pai (Callum Keith Rennie) não consegue demonstrar o mesmo carinho que tinha pelo outro filho; a irmã Gracie (Niamh Wilson) só pensa em se tornar famosa; e T.S. sente-se cada vez mais sozinho e sem ninguém para compartilhar seu sofrimento, e vê na viagem uma oportunidade de deixar tudo para trás.

Jeunet é conhecido por clássicos cults como “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain” e “Delicatessen”. “Uma Viagem Extraordinária” segue na linha de “Amélie” (e não seria diferente com a participação de Laurant), com um humor suave e personagens carismáticos. Durante a viagem, T.S. encontra vários tipos interessantes, como o mendigo Two Clouds (Dominique Pinon marcando presença em mais um filme do diretor) que mora em um vagão de trem, um caminhoneiro fotógrafo, um policial trapalhão, sempre pessoas inofensivas. Desde modo, T.S. nunca fica em perigo de chegar ao seu destino. Ou pelo menos o perigo que ele poderia encontrar na vida real, pois, como a protagonista Amélie, o principal conflito não está no exterior e sim no interior do personagem.

A morte não é o único tema tratado no filme. O diretor também reserva tempo para criticar o mundo superficial do entretenimento. A crítica pode ser vista na personalidade de Gracie e sua valorização da aparência, e também no terceiro ato, que poderia ter sido melhor trabalhado. Quando o filme atinge seu auge emocional (o momento da aceitação) em um belo discurso de T.S. (que já seria um excelente final), Jeunet opta por quebrar o ritmo para criar “vilões” desnecessários e unir a família de uma forma mais divertida, deixando a tristeza de lado. Já que é melhor, comercialmente, deixar o público com um sorriso no rosto do que uma lágrima. Outros temas que podem gerar discussões é a descrença dos adultos com o potencial das crianças e a liberação de armas de fogo, mas isso só para o público mais entusiasmado em desconstruir o filme.

Mesmo com a insistência em fazer um filme família, Jeunet é competente ao envolver o público nesta emocionante história, até tendo um momento “Wes Anderson” quando derruba a quarta parede para mostrar a preparação de T.S. para a viagem. Com uma equipe de produção de alto nível, a trilha sonora de Denis Sanacore entrega todo o clima de melancolia que a trama pede, com inspiradas melodias de violão e gaita. Thomas Hardmeier mantém a fotografia familiar dos filmes de Jeunet, com a predominância do verde, vermelho e dourado, muito vivos, criando imagens que fariam qualquer exposição de arte um sucesso. A edição de Hervé Schneid está bem inventiva, com bastante hipertexto e, trabalhando junto com o departamento de arte (os créditos finais são a cereja do bolo), colabora em dar leveza e dinamismo à história. Uma pena que trabalhos assim acabam chamando muita atenção para si, mas nada que prejudique demais o resultado final.

“Uma Viagem Extraordinária” é uma história delicada, emocionante e divertida. Contudo, ela seria melhor se fosse menos “divertida”, principalmente no final, e focasse nas consequências que a morte causou nos personagens e a relação deles com o luto, como Darren Aronofsky fez em “Fonte da Vida”. Seria um caminho mais difícil, porém o prêmio seria recompensador.

Esse filme fez parte da programação do 5º Festival Varilux de Cinema Francês, em abril de 2014.

Guilherme Augusto
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