Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 14 de abril de 2014

Confia em Mim (2014): um irregular drama de suspense

Longa é inconsistente e problemático, ainda que alcance certa eficácia em determinados momentos.

O circuito comercial para filmes nacionais tem crescido bastante nos últimos anos, tanto em termos de quantidade como de qualidade. Claro que ainda não é o ideal, longe disso, até porque, infelizmente, a demanda por tais trabalhos não chega a um nível minimamente competitivo com os grandes lançamentos internacionais. Ainda é seguro dizer que os que conseguem ultrapassar as barreiras citadas – e, talvez, por conta disso – estão sempre tentando propor algo novo, diferente do que o grande público está acostumado a receber quando o assunto é cinema brasileiro.

Muitas vezes alcançando o êxito, outras nem tanto, o fato é que a produção interna está em um momento extremamente diversificado. Ano passado, por exemplo, para muitos o melhor filme nacional foi um (belíssimo) documentário sobre a dor de uma família quanto à perda de um ente querido. Este ano não chegou nem na metade e já tivemos lançamentos que vão desde o terror clássico com “Quando Eu Era Vivo”, algo absolutamente impensável tempos atrás, até o drama intimista, profundo e reflexivo com “Entre Nós”. “Confia em Mim” é apenas mais um desses exemplos, ainda que se encaixe no grupo daqueles que não alcançaram êxito completo.

Dirigido pelo estreante Michel Tikhomiroff, o longa nos apresenta à tão talentosa quanto insegura e frustrada chef de cozinha Mariana (Fernanda Machado) que trabalha em um local onde não tem suas habilidades devidamente reconhecidas por seu autoritário e insuportável patrão. Ela vê-se diante daquela que acredita ser a oportunidade de sua vida quando se envolve com Caio (Mateus Solano), um sedutor e (aparentemente) bem sucedido empresário que parece disposto a investir em seu futuro promissor, oferecendo-lhe um projeto para que ela possa ser dona do próprio restaurante.

A partir de então, entretanto, as coisas não se desenvolvem da maneira esperada. A relação entre os dois caminha muito rápido e começa a tomar direções surpreendentes. Uma pena que tal relação seja prejudicada pela artificialidade dos diálogos, que parecem estar sendo lidos enquanto as câmeras rodam. Todos os personagens, na verdade, são concebidos de maneira simplória. É o já citado patrão “malvado” que faz tudo para puxar o tapete da “mocinha”, é a melhor amiga sensata, cômica  e que possui a voz da razão para os percalços enfrentados pela protagonista, é a relação mãe (megera) e filha que o enredo não faz questão de aprofundar, enfim. Nada parece ter dois lados, Mariana é sempre a ingênua vítima de todo o “sistema”.

Mais decepcionante ainda é saber do enorme potencial desperdiçado, uma vez que os atores envolvidos, principalmente, claro, Solano e Fernanda Machado, são de um talento ímpar e poderiam construir uma dinâmica poderosa tendo como ponto de partida as decisões do roteiro escrito pelo também estreante Fábio Danesi. Roteiro este que constrói uma trama boba, previsível e recheada de inconsistências, quase ingênua, assim como sua protagonista, além do já explorado mau desenvolvimento dos  personagens.

Aliás, tanto Tikhomiroff, quanto Fábio Danesi e o diretor de fotografia Rodrigo Monte são estreantes em longas-metragens e conhecidos especialmente por seus trabalhos na não tão bem recebida série nacional da HBO “O Negócio”. Provavelmente pela inexperiência com este tipo de produção, prejudicado pela linguagem televisiva que “formou” seus realizadores, ou mesmo pela qualidade duvidosa de alguma escolhas, o fato é que a narrativa não se desenrola de maneira natural, orgânica. Fotografado de maneira óbvia e com uma trilha sonora pouco atuante, a fita não possui muitos aspectos particularmente marcantes.

É bem verdade que, apesar das falhas, o clímax acaba sendo razoavelmente eficiente. O suspense que toma conta da película no terço final de projeção é bem orquestrado por Tikhomiroff, que equilibra corretamente a transição da atmosfera mais leve de antes para o clima de tensão do terceiro ato. Aqui sim, a química do casal protagonista funciona como em nenhum outro momento, com troca de olhares desconfiados, diálogos com duplo sentido, sentimentos à flor da pele, etc. Mesmo o flashback que é introduzido de forma incoerente com a narrativa até aquele ponto não chega a comprometer tal dinâmica.

No desfecho, inclusive, ainda há uma muito bem-vinda sugestão de final ambíguo, que provoca reflexão acerca de valores e de até que ponto podemos nos corromper por uma causa nobre (leia-se vingança. Justa, mas vingança). É o tal do questionamento “os fins justificam os meios?”. Apoiado em um roteiro falho, é um desfecho que parece não ser muito bem amarrado, mas que sem dúvidas vem a dar um toque extra na composição da personagem principal, de modo a desconstruir um pouco o seu lado mocinha vítima, tornando-a quase tão interessante quanto o Caio de Mateus Solano.

Assim, é conveniente colocar que “Confia em Mim” é uma obra que vale mais pela boa intenção dos realizadores de aproveitar a onda e propor algo novo no cenário cinematográfico nacional, do que propriamente pelos resultados obtidos. Irregular, a trama não chega a engrenar de verdade em nenhum instante, apesar do bom suspense construído na parte final. Talvez, o formato episódico e formulaico proposto por aqueles tenha sido, quase que inconscientemente, pensado para a televisão, não para o cinema.

Arthur Grieser
@arthurgrieserl

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