Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 31 de março de 2014

Pedalando com Molière (2013): orgulho, vaidade e amor ao teatro

Filme utiliza Molière para realizar um estudo sobre amizade e outros sentimentos.

No século XVI, o dramaturgo francês Jean-Baptiste Poquelin, conhecido como Molière, escreveu várias peças de teatro, tendo como obra de maior destaque “O Misantropo”. Esta peça falava sobre um homem que havia perdido a fé na humanidade, e por conta disso queria viver afastado do mundo. De lá pra cá, “O Misantropose tornou uma das maiores obras do teatro francês, tendo sido encenada centenas de vezes, das mais diversas formas. Em 2013, Philippe Le Guay escreveu (juntamente a Fabrice Luchini e Emmanuel Carrère) e dirigiu uma nova visão sobre a peça.

“Pedalando com Molière” conta a história de dois atores, Gauthier Valence (Lambert Wilson) e Serge Tanneur (Fabrice Luchini), amigos de longa data, que hoje estão em momentos diferentes de sua carreira. Enquanto Gauthier é o ator da moda, fazendo sucesso em um seriado no horário nobre da TV, Serge está afastado dos holofotes, em uma cidade do interior, passando seu tempo com pinturas e quebra-cabeças.

Tudo muda quando Gauthier surge com uma proposta tentadora: ele quer encenar a famosa peça de Molière e convida o amigo para interpretar um papel importante. Porém, devido ao tempo que está afastado do teatro, Serge inicialmente pede para ensaiar por alguns dias, antes de dar uma resposta definitiva.

A paixão e respeito dos atores pelo material se torna visível desde o primeiro ensaio, como no momento em que Serge está declamando algumas falas e Gauthier repete as palavras apenas com o movimento dos lábios. A entrega com que se dedicam a cada palavra transforma cada sessão de leitura em um verdadeiro duelo de interpretações.

E é nessa relação que reside a maior força do longa. Durante essa semana, a relação entre os dois se desenvolve entre ensaios, passeios de bicicleta, a busca de Gauthier para comprar uma casa nova na região e o surgimento de Francesca (Maya Sansa), uma italiana que mora na região. Sutilmente a vaidade e o orgulho deles começam a aflorar quase involuntariamente, revelando mágoas e ressentimentos escondidos até então.

O diretor Philippe Le Guay é competente no progresso das relações entre os personagens. A sutileza e firmeza com que conduz seus atores caminha lado a lado com o trabalho de montagem que, mesmo que completamente linear, mantém o ritmo dinâmico, com a alternância de momentos dramaticamente densos com excelentes alívios cômicos, como o momento em que uma promissora jovem atriz assiste a um ensaio ou o taxista filho de uma fã de Gauthier.

A química entre os atores é sempre demonstrada pelo talento de Lambert Wilson e, especialmente, Fabrice Luchini. Wilson mistura a admiração por Serge e a vaidade de um ator de sucesso em uma medida perfeita. A maneira como reage ao desprezo de Serge pelo seu seriado é seu grande momento no filme. Já Luchini é o grande destaque da obra. Serge é um homem amargo, magoado pela sua carreira, e vê no convite de Gauthier uma forma de se reaproximar de sua grande paixão, o teatro. Infelizmente, a personagem de Maya Sansa é desperdiçada pelo roteiro, servindo apenas para criar uma desavença previsível desde sua primeira aparição em tela.

Dessa forma, “Pedalando com Molière” é um excelente estudo sobre sentimentos que possuem mais coisas em comum do que se imagina, como amizade, orgulho, ressentimento e vaidade, com ótimas pinceladas de humor e grandes interpretações.

David Arrais
@davidarrais

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