Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 10 de março de 2014

Até o Fim (2013): o som do caos

A emocionante luta de um homem que enfrenta a solidão que escolheu para si.

Até o Fim13 de Julho, 16h50. Lamento. Sei que a essa altura isso pouco importa, mas eu lamento. Eu tentei. Acho que todos concordariam que eu tentei. Ser honesto. Ser Forte. Ser amável, amar. Ser correto. Mas não fui. Eu sei que sabiam disso, cada um à sua maneira, e eu lamento. Tudo está perdido aqui, exceto o corpo e a alma… ou melhor, o que resta deles. E a ração para mais meio dia. Na verdade, é imperdoável. Agora eu sei disso. Como pude ter demorado tanto tempo a admitir, não sei explicar, mas demorei. Lutei até o fim. Não sei bem o que isso vale, mas saibam que o fiz. Sempre desejei mais para todos vocês. Vou sentir saudades. Lamento.” Este texto, escrito em uma carta, nos ajuda a compreender melhor o protagonista de “Até o Fim”, e já é forte o bastante para nos fazer importar com o seu destino.

Filmes que retratam a solidão e a batalha do homem pela sobrevivência sempre são um desafio para o realizador, que precisa manter o público interessado na história, sem deixar que o ritmo fique arrastado demais. Em alguns casos, um outro personagem surge para fazer companhia ao protagonista solitário e ajudá-lo a superar o obstáculo.

Em longas mais recentes, temos a doutora Ryan Stone e o astronauta Matt Kowalsky em “Gravidade“, Pi e o tigre Richard Paker em “As Aventuras de Pi“.  Como esquecer de Chuck Noland e a bola Wilson em “Náufrago”? Um artifício que não diminui a obra, mas que é usado para não deixar o público (acostumado com um cinema comercial) sem diálogos. Em “Até o Fim”, o diretor e roteirista J.C. Chandor acolhe o silêncio para fortalecer a solidão que o personagem escolheu para si, mas que se torna um grande adversário quando se vê isolado sem nenhuma ajuda.

O protagonista, interpretado por Robert Redford, acorda surpreso ao ver que seu barco foi atingido por um contêiner e, como toda boa desgraça nunca vem sozinha, o impacto acaba destruindo toda a comunicação, o impedindo de solicitar qualquer ajuda. Logo nos primeiros minutos, Redford mostra ser perfeito para o papel. Sem dizer nenhuma palavra, o ator transmite uma confiança que nos faz acreditar que ele poderá resolver qualquer ocorrência adversa. Mesmo com 77 anos e muitas rugas, ele ainda é dono de um rosto expressivo, perfeito para o personagem.

Para ajudar Chandor a criar todo um clima de tensão, e deixar você sem piscar a cada segundo, a equipe de som faz um incrível trabalho, invadindo todo aquele “silêncio” com ruídos de ondas batendo no barco, da respiração cada vez mais ofegante, do vento que se torna assustador conforme vai aumentando e, principalmente, das sequências em que ele precisa enfrentar grandes tempestades. Ouvir o barulho do trovão e ver aquele céu escuro é para deixar aflito até quem está sequinho no conforto do cinema. As músicas de Alex Ebert, nunca chamando atenção demais, são bem sincronizadas com os eventos citados e ele entrega uma linda melodia nos momentos de “descanso”, em que recuperamos o fôlego para mais um round contra o mar.

Com a falta de algum contexto antes do acidente, fica evidente que o que importa para Chandor é focar na história de sobrevivência. Mesmo assim, há pistas sobre o passado do personagem, deixando algumas hipóteses no ar (quem seria “Virginia Jean”? Certamente alguém muito importante para ele ter batizado o barco). Hipóteses a parte, a entrega daquele homem em sair do caos é tão comovente que é difícil não torcer por ele.

A Academia ainda comete absurdos na premiação do Oscar. Para privilegiar alguns queridinhos, os votantes ignoram filmes que deveriam ter maior destaque. “Até o Fim” merecia estar em mais categorias (Melhor Ator, Melhor Diretor, Melhor Filme, só para citar alguns), além de figurar nas categorias sonoras com Steve Boeddeker e Richard Hymns , indicações mais que merecidas. Contudo, isso é apenas uma utopia minha que a premiação um dia valorize mais o lado artístico do que o financeiro do cinema, e “Até o Fim” é forte o bastante para sobreviver no oceano de ganância chamado Hollywood.

Guilherme Augusto
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