Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 06 de janeiro de 2014

Um Estranho no Lago (2013): suspense ousado se inspira em clássicos

Com uma proposta diferente e impactante, longa é calcado no voyeurismo e esbarra em problemas de ritmo.

21045525_20130930233604479.jpg-r_640_600-b_1_D6D6D6-f_jpg-q_x-xxyxxO voyeurismo sempre foi uma característica natural no cinema. Está  totalmente atrelado à sua existência de maneira que um simples ato de empunhar uma câmera para captar um evento faz de quem está por traz das lentes um observador. Está, portanto, presente na natureza do realizador. E não só ele, mas todos os espectadores o são, também, quando se juntam a vislumbrar e fantasiar um outro mundo, a diegese, por meio de um buraco de fechadura particular em que o tempo sofre uma distorção e o evento espiado é sempre presente.

E como não seria menos esperado, o tema é recorrente ao longo de toda a história do cinema. A curiosidade e obsessão pela observação está presente em diversos filmes de Brian De Palma, a exemplo de “Dublê de Corpo” (1984) mas também se encontra nas obras de diretores como Michael Haneke (“Cache”, 2005) e Steven Soderbergh (“Sexo, Mentiras e Videotape”, 1989). Entretanto, talvez os mais emblemáticos exemplos sejam “A Tortura do Medo”, de Michael Powell, e “Janela Indiscreta”, de Alfred Hitchcock. Este último é influência clara em “Um Estranho no Lago”, nova e impactante produção francesa dirigida por Alain Guiraudie.

O cenário: um lago calmo e isolado frequentado por homens homossexuais como uma praia de nudismo. Lá, eles se encontram para conversar, trocar experiências e utilizam o bosque ao lado para ter relações sexuais. Um refúgio contra os preconceitos sociais, o local é ao mesmo tempo uma expressão dos desejos mais naturais dos que o frequentam. A fotografia limpa e de cores e luz ressaltadas reforça um caráter onírico e paradisíaco da locação enquanto sons diegéticos como os da água ou o do vento ao mexer galhos das árvores estão sempre presentes em um ótimo trabalho da mixagem de som que confere um tom naturalista a um lugar de simplicidade.

Frequentador assíduo da área, Franck (Pierre Delandonchamps, em uma interpretação básica, porém, corajosa) acaba fazendo amizade com Henri (Patrick d’Assumção, sutil e brilhante), que busca apenas tranquilidade, observando o cotidiano daqueles homens, sem qualquer interesse neles. Explorando o início desta amizade e ambientando o espectador às situações ocorrentes no lugar, o primeiro ato do filme tem ritmo lento e um pouco monótono, com diálogos por vezes desinteressantes e uma montagem regular.  Tal situação passa a mudar quando Franck conhece Michel e os dois passam a se envolver sexualmente. Michel, vivido por Cristophe Paou, é a perfeita figura de uma femme fatale em forma masculina, envolvendo o protagonista em um jogo de sedução que se torna perigoso quando ocorre um assassinato.

Diferente dos suspenses de tipo whodunnit, em que não se sabe quem cometeu o crime, em “Um Estranho no Lago” a tensão passa a ser criada justamente em cima do elemento da identidade do assassino, Michel, que passa a estar sempre presente, à espreita, sem saber que seu parceiro foi testemunha de seu crime. Mesmo assim, a personagem de Delandonchamps decide investir emocionalmente em um relacionamento com o homicida, uma metáfora interessante que pode ser interpretada como uma crítica ao julgamento moral das relações homossexuais pela sociedade em geral. “Não podemos parar de viver”, diz ele quando perguntado por um investigador se mesmo depois do assassinato eles continuam frequentando o local, quando o longa dá uma guinada em seu ritmo e adquire um tom de investigação mais tradicional.

E se o voyeurismo é o principal gerador de tensão da trama, ele na verdade permeia todo o ambiente. Sempre há alguém observando pelos cantos ou mesmo abertamente, como o diretor deixa claro ao apresentar diversos planos em que indivíduos olham para a câmera como se para o próprio espectador ou mesmo em movimentos sutis desta, emulando o olhar em uma alusão ao mestre do suspense. E o fascínio pela observação chega a situações pouco comuns no cinema em cenas explícitas de sexo que, apesar de reforçarem um caráter naturalista, não parecem ter maior propósito.

De maneira geral, “Um Estranho no Lago” se constitui em uma proposta diferenciada, dando novos ares aos suspenses à moda antiga. Com influências diretas de Hitchcock, o longa consegue construir a tensão de maneira exemplar, apesar de o primeiro ato se desenvolver lentamente. Devido às fortes cenas de sexo, entretanto, é possível que sua ousadia possa incomodar aos desavisados, mas sem desabonar a qualidade deste bom thriller.

Mateus Almeida
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