Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 14 de outubro de 2013

O Inventor de Sonhos (2012): um espetáculo grotesco

Longa é um amontoado de falhas e momentos embaraçosos.

Inventor de Sonhos1A intenção do diretor Ricardo Nauenberg, em sua estreia no cinema de ficção ao realizar “O Inventor de Sonhos” era criar um documento audiovisual sobre um período rico da história do Brasil, porém com poucos registros da época. Para isso, usou a chegada da Família Real como pano de fundo para a história de José Trazimundo (Miguel de Oliveira), um mulato que foi adotado pelo índio Eustáquio (Roberto Bonfim), em busca de seu pai biológico.

Durante a infância, Trazimundo convive com uma vasta gama de personagens: Timoteo (Luis Carlos Vasconcelos), um traficante de escravos casado com Leonor (Guilhermina Guinle) e amante de Matilda (Débora Nascimento); Libório (Emílio Orciollo Neto), um sargento do exército que tem um caso com Leonor; Vilaça (Ricardo Blat), um contrabandista que rouba produtos na alfândega e repassa para Aristides (Stênio Garcia), um comerciante local, além dos amigos Iaínha, uma menina escrava, e Luiz Bernardo, filho do Duque de Alva (Sergio Mamberti);

A partir daí, acompanhamos a trajetória de Trazimundo até chegar à fase adulta (sendo interpretado aqui por Ícaro Silva), enquanto testemunha vários eventos históricos. Uma das poucos inserções em que tais eventos são usados em prol da história é a desapropriação das casas que seriam utilizadas por membros da corte portuguesa. Vários outros momentos são jogados aleatoriamente na tela, sem preocupação com a trama central. E esse não é o maior problema do longa.

O grande número de personagens se mostra inútil, pois nenhum deles possui qualquer sinal de profundidade. O fiapo de motivação do protagonista acaba diluído em meio a tantos problemas na narrativa. O roteiro é extremamente episódico, com pouca conexão entre as cenas e personagens subutilizados. Há personagens que somem e reaparecem sem explicação.

A montagem é trôpega, chegando ao absurdo de reutilizar cenas dentro de uma mesma sequência. Outra falha grosseira é na continuidade. Mais de uma vez pessoas são vistas a distância para no quadro seguinte estarem juntas. Em outro ponto, acontece uma discussão à noite dentro da casa para logo depois vermos um personagem no exterior da casa, de dia!

Outro aspecto que chama a atenção negativamente é a passagem de tempo. Os únicos personagens que passam por alguma mudança física são as três crianças, mesmo que o intervalo da trama seja de 13 anos! Todos aqueles que iniciam o filme adultos permanecem exatamente iguais. Não há modificação de maquiagem (exceto alguns homens, que ganham alguns fios grisalhos na barba) ou sequer no figurino!

A recriação da época é competente, especialmente o trabalho de computação gráfica realizado para mostrar o Rio de Janeiro do século XIX. No entanto, depois de repetir o mesmo plano aéreo mais de dez vezes, essa visão se torna irritante. Os figurinos e a direção de arte ajudam na composição das cenas, mas são prejudicados pelo trabalho do diretor.

A sequência em que ocorre uma revolta popular, pouco antes da partida da família real, é constrangedora. Como é possível um movimento se tornar relevante, quando envolve cerca de 40 pessoas e apenas uma dezena de soldados (aparentemente soldados, pois não há qualquer distinção que permita identificar as patentes dos militares)? Como é possível que esses consigam acertar apenas três tiros em um dos rebeldes, mesmo enfileirados e a poucos metros de distância? Que tipo de munição não perfura seu alvo, mas deixa uma marca de sangue que parece um respingo de tinta?

As atuações acompanham o nível da parte técnica, com atores do calibre de Roberto Bonfim e Ricardo Blat no piloto automático. Ricardo Petráglia, que interpreta um inglês aleatório, chega ao absurdo de “esquecer” o sotaque de seu personagem em uma cena. E não há o que falar de participações completamente descartáveis, como as de Letícia Spiller e Sérgio Mamberti.

Com isso, os realizadores não percebem a pobreza da obra que acabaram de cometer. Eles têm a audácia de utilizar uma metalinguagem, semelhante àquela de Quantin Tarantino em “Bastardos Inglórios”, quando um personagem faz um imenso elogio ao filme que acabamos de assistir.

David Arrais
@davidarrais

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