Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 04 de junho de 2013

O Grande Gatsby (2013): filme é grandioso, mas longe de ser perfeito

Baz Luhrmann retorna com longa-metragem de visual impressionante, trilha sonora que tem tudo para estourar e trama bem amarrada. Isso não o salva, contudo, de ser vítima de seus próprios excessos e escolhas equivocadas.

O Grande GatsbyOs primeiros minutos de “O Grande Gatsby” parecem dizer: “o que vocês, espectadores, estão a ponto de experimentar é algo grandioso. Esqueçam que existem limites, orçamentos ou barreiras tecnológicas. Isso o cinema de Hollywood consegue pisotear. Mas preparem-se: o caminho para esta aventura de época, mesmo que imersivo e estonteante, será também sinuoso durante os 142 minutos em que se alonga”.

Corte seco. Flashback. Flashforward. Cena de baile. Agora um travelling voador sobre a magnífica recriação da Nova York do início do século 20. De volta para o personagem narrador. Este estilo frenético impresso na primeira metade da trama não nega, principalmente a quem já assistiu a  “Moulin Rouge – Amor em Vermelho”, que “O Grande Gatsby” é mesmo produto da filmografia de Baz Lurhmann. O diretor “abusa” destes e de outros recursos com os objetivos claros de arrebatar o espectador do cinema de entretenimento e de mostrar virtuosismo e pujança como maestro da produção, orçada em US$ 105 milhões. E ele consegue as duas coisas, por mais que algumas investidas em movimento e angulação de câmera e tantas idas e vindas possam suscitar labirintite no público.

Responsável pelo roteiro junto com Craig Pearce (“Moulin Rouge – Amor em Vermelho”), Luhrmann faz uso inevitável e constante de diálogos, de cenas e do fio condutor do clássico livro homônimo de F. Scott Fitzgerald, publicado em 1925, para muitos entre as mais belas e relevantes obras literárias já lançadas em inglês. Se lhe faz justiça é outra história.

Como muito se defende, um filme deve se sustentar pelas próprias pernas, independente da matéria-prima de onde sua trama foi colhida. Sob essa ótica, a obra convence ao imprimir a assinatura do diretor, que aposta na liberdade poética que lhe é característica desde que passou a ser relevante para a indústria cinematográfica. Quem não se surpreendeu quando o realizador, em 1996, desconstruiu a obra de Shakespeare em “Romeu e Julieta”, levando-a ao submundo de Verona Beach do final do século 20?

 A versão cinematográfica de “O Grande Gatsby”, assim como o livro, é ambientada em 1922, época em que os Estados Unidos se ressentem dos efeitos da Primeira Guerra Mundial. Ele é contado – e narrado – por Nick Carraway (Tobey Maguire), um jovem corretor de ações da bolsa de Nova York maravilhado pela figura do excêntrico milionário Jay Gatsby (Leonardo DiCaprio). A primeira vez que Carraway, recém chegado à costa oeste, ouve falar do nome do figurão é por Jordan Baker, jovem esguia e de olhar arrogante que conhece na casa de sua prima Daisy e do marido dela, Tom Buchanan (duas peças-chave para o desenvolvimento da narrativa, mas que não terão suas participações compartilhadas nesta crítica para evitar os indesejados spoilers).

Gatsby é um misterioso abonado, famoso em toda a Grande Nova York por promover as mais pomposas festas em sua mansão, vizinha à residência de Carraway, em West Egg (nome fictítico), Long Island. Nelas, Gatsby se reserva ao anonimato em vez de ser o centro das atenções. Ele guarda grandes segredos, mais tarde revelados na trama. Tais festas compõem mais uma marca de Luhrman. A começar pela trilha sonora que as embala, co-produzida por Jay-Z, que conta com Lana Del Rey, will.I.am, Beyonce, dentre outros.

É a forma do diretor de fazer a conexão entre o que é exibido e o espectador, com uma abordagem atual, e, ao mesmo tempo, de atender a anseios da indústria fonográfica – seria difícil e pouco lucrativo comercializar uma compilação da trilha sonora com baladas de 1920, não é mesmo? A fórmula eficaz, presente também em “Moulin Rouge – Amor em Vermelho” (vide o sucesso de “Lady Marmelade”), é brindada pela excelente direção de atores e extras, centenas deles, vestidos a caráter (ponto para figurino e maquiagem)  e devidamente coreografados no set luxuosíssimo que é a mansão de Gatsby.

Mas tanta inovação se enfraquece ao decorrer do longa, filmado em 3D. A tecnologia é empregada com sucesso nos travellings e em cenas de planos abertos e médios, embora não se mostre essencial no restante. O ritmo moroso de algumas cenas a partir do primeiro twist chega a evocar certa bipolaridade do diretor, que não sabe encontrar um ponto de equilíbrio entre o frenesi e a bonança. Trechos que pedem maior contemplação na construção de personagens e de climas de tensão passam rápido demais, privilegiando a estética, enquanto outros se arrastam sem necessidade. Assim, a empatia entre a obra e o público deixa de atingir seu potencial máximo.

Já o elenco mostra certo descompasso entre os gêneros. Os homens, capitaneados por DiCaprio, fazem um trabalho digno, com escolha acertada de Joel Edgerton, para o papel de Tom Buchanan e de Tobey Maguire, que leva à tela tom juvenil e adulador, como exige seu papel. As mulheres que colorem a película entregam atuações blasées, especialmente de Carey Mulligan, que desperdiça a chance de escalar alguns degraus em Hollywood com uma Daisy sem sal. Seus atributos físicos (ela é de fato lindíssima) não dão conta de camuflar a fragilidade da personagem que interpreta, bastante rasa e insegura.

Na hora de fechar a conta, o sentimento ao sair da sessão é de que “O Grande Gatsby” cumpre sua tarefa enquanto obra audiovisual. É visualmente belíssimo, acompanha trilha sonora que tem tudo para ser um sucesso por si só e tem história bem costurada, inclusive com algum suspense. Mas passa longe, vale dizer, de pertencer ao topo de listas de grandes adaptações cinematográficas. Especialmente pela dualidade entre o primeiro e os demais atos, por não assumir uma linha de desenvolvimento narrativo constante, com pequenos buracos no roteiro, e pela escolha do elenco feminino.

Victor Amaro
@

Compartilhe