Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 28 de junho de 2013

Tabu (2012): uma obra prima sobre memória e nostalgia

Referenciando F. W. Murnau, o diretor Miguel Gomes constrói uma poética história que remete à simplicidade de tempos passados enquanto homenageia o cinema mudo.

tabu posterEm 1931, o cineasta F. W. Murnau dirige a ambiciosa história de um amor nas ilhas do sul do Pacífico: “Tabu”. Um amor proibido e intensamente vivido, mas cuja inocência é rapidamente tolhida. Oitenta anos depois, em 2012, o diretor português Miguel Gomes (“Aquele Querido Mês de Agosto“) relembra com nostalgia a simplicidade e o romance de tempos passados e agora perdidos em memórias que constituem uma obra prima do cinema: “Tabu”.

Tomando como referência a produção de Murnau não só o nome, mas na estrutura dividida do filme, Gomes narra uma história em duas partes que invertem a lógica do longa de 1931: se no clássico do cinema mudo somos introduzidos primeiramente ao “Paraíso”, onde a relação entre dois jovens se desenvolve, na obra portuguesa o “Paraíso Perdido” dita sua primeira parte. Na Lisboa atual, em um clima bastante melancólico, somos introduzidos às três personagens principais: Aurora (Laura Soveral), uma idosa solitária que vive perdida em devaneios e cassinos; Santa (Isabel Cardoso), sua rígida cuidadora; e Pilar (Teresa Madruga), a preocupada vizinha, que divide seu tempo entre o cinema e manifestações políticas.

As três personagens vivem dilemas em relação à temática do tempo passado e presente que guiará a projeção: enquanto Pilar se vê dispensada pela jovem que iria hospedar-se em sua casa, mas prefere a companhia dos amigos, Santa, já também uma senhora, se alfabetiza e lê Robinson Crusoé no processo (que não deixa de retratar, também, a diferença entre a simplicidade da ilha onde o aventureiro naufraga e se aventura e a cidade, seu lugar de origem). Mas é nos devaneios vividos pela senil Aurora que construímos a ponte para o passado.

Em um cassino onde o fundo parece girar delirantemente, ressaltando o clima de sonho, a senhora mistura com a realidade macacos peludos e crocodilos. Até que, pouco antes de morrer, escreve um nome: Ventura, já mencionado outras vezes pela idosa. Tal nome descobre-se ser de um senhor que foi a paixão de Aurora em juventude e que narra a segunda parte da trama.

No “Paraíso”, em um grande flashback guiado pela narrativa de Ventura, observamos como em meio ao colonialismo português na África cresceu o romance entre o casal, vivido em sua juventude por Ana Moreira e Carloto Cotta. Um romance intenso, que parece nos desafiar com sua impulsividade, mas também pedir cumplicidade enquanto o par encara o espectador em dois momentos em que está junto. A relação, tão proibida quanto a do filme de Murnau, é retratada de maneira inteligente em cenas que homenageiam sua origem, como quando os jovens temem ser descobertos, em um plano muito parecido com outro em semelhante situação, na obra de 1931.

Com toda a película filmada em preto e branco e usando quadros 4:3, já somos remetidos ao passado. Na segunda parte, o interessante design de som completa a atmosfera saudosista ao retirar os diálogos dos personagens. Tudo o que ouvimos são apenas sons diegéticos, músicas africanas e baladas típicas da década de 50 e 60, como se possuíssemos somente algumas lembranças vagas da juventude, apenas resquícios de um tempo que se perdeu em frustração.  E se fora de plano a nostalgia é constante, a direção de arte ressalta as memórias do casal na África por meio de uma decoração com plantas bem destacadas tanto na casa de Aurora quanto no asilo em que vive Ventura, que lembram a vegetação do ambiente de sua mocidade.

Em “Tabu”, temos a amarga sensação de um plano não concretizado, ironicamente retratado em um paralelo com a colonização portuguesa na África, que teve seu fim com os movimentos de independência. O fim de uma história de amor desencadeado por um olhar subjetivo de um morto, no qual ao espectador só resta a frase dita por um fantasma no início da trama: “Por mais distância que corras, por mais dias que passem, do teu coração não conseguirás escapar”.

Mateus Almeida
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