Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 07 de abril de 2013

A Visitante Francesa (2012): uma aula de cinema pós-moderno

Longa sul-coreano valoriza o naturalismo por meio de uma linguagem orgulhosamente digital.

in-another-country-sang-soo-hong-posterExistem obras em que a assinatura do autor fica impressa na tela. Seja na forma ou no conteúdo, poucos cineastas conseguem transmitir sua visão de maneira clara sem racionalizar suas intenções. O diretor coreano Sang-soo Hong é um destes. Com uma carreira iniciada na metade dos anos 90, Hong abraça uma estética de vídeo sem receio, indo na contramão da indústria cinematográfica que ainda se ressente e tenta compensar a perda da película.

Em “A Visitante Francesa”, somos convidados a entrar na mente de uma jovem roteirista que escreve pequenas histórias apenas para esquecer os problemas familiares. Estas histórias são compostas pelos mesmos personagens, ocorrem no mesmo local e apresentam situações similares, mas vividas de formas que variam de acordo com a  personalidade e as motivações de Anne, a protagonista interpretada por Isabelle Huppert.

No primeiro “conto”, Anne é uma diretora francesa que vai passar um tempo em Mohang com um casal de amigos sul-coreanos – o também diretor de filmes Jong-soo (Kwon Hye-Hyo) e sua esposa grávida, Geum-hee (So-ri Moon). Lá ela conhece o guarda salva-vidas da praia, vivido por Jun Sang Yu. No segundo, Anne é uma mulher casada que vai a Mohang para se encontrar com o amante, o cineasta Moon-soo (Moon Sung Keun). Na última história, Anne é uma mulher divorciada que foi traída pelo marido e vai a Monhang com uma amiga, Park Sook (Yeo-jeong Yoon), para superar a mágoa. Lá elas conhecem o casal e o guarda salva-vidas do primeiro segmento, e Sook apresenta Anne a um monge budista (Kim Yong-ok).

As três histórias se conectam de alguma forma, mesmo sem ficar claro se coexistem em uma mesma realidade ou se são versões alternativas de uma única história. Esta indefinição, a repetição das ações e a continuidade delas em momentos improváveis são pontos-chave da narrativa. O destino deixa de ser apenas um conceito para se tornar uma entidade quase palpável, tomando forma enquanto delineia as relações entre os personagens em um movimento circular, não temporal.

Hong, que desde seu segundo longa também assina como único roteirista, escreve sobre o cotidiano, sobre os encontros e desencontros de pessoas e sentimentos nas situações mais corriqueiras da vida. A simplicidade e o bom humor dos atos fornecem um caráter imediatista às cenas, evocando reações emocionais no espectador que vão da gargalhada à indignação.

Os diálogos são abertos a improvisações, a mise-en-scène dá liberdade de movimento aos atores e o naturalismo toma conta da narrativa. Yune-jeong Jee e Hong-yeol Park são fiéis ao estilo do diretor em sua fotografia, que valoriza a luz natural – com a cor branca muitas vezes estourada – e uma textura digital, lembrando obras de jovens autores independentes que carecem de condições para produzir algo considerado “profissional” pelo mercado.

Os frequentes zooms que reenquadram a imagem inusitadamente traduzem a postura moderna do cineasta, despida de limitações teóricas e que não se intimida em readequar constantemente o olhar sobre a própria obra no instante em que a cria. Aliás, o filme é sobre esta readaptação, sobre esta insatisfação com o que está selado, sobre busca e movimento, sobre a falta de algo que nunca é encontrado, mas é a única coisa que nos move para frente. Não é a toa que, em todas as histórias, Anne está sempre à procura de um farol como um barco o faz para se guiar.

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

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