Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 15 de março de 2013

Francisco Brennand (2012): uma visita ao universo de um dos maiores artistas brasileiros

Após 40 anos de isolamento, o documentário acessa de maneira emocionante e inspiradora a trajetória do escultor que vive na sua oficina em Recife.

Francisco BrennandCercada por mata, isolada no bairro da Várzea, na cidade de Recife, podemos encontrar uma incomum e impressionante instalação. Um templo? Um castelo? A oficina de Francisco Brennand assemelha-se aos dois. O escultor, pintor, fotógrafo, ceramista e escritor é um dos maiores artistas brasileiros e vive isolado nela há mais de quatro décadas. Mas o silêncio do isolamento é finalmente quebrado pelo documentário que carrega seu nome, dirigido por Mariana Brennand, sua sobrinha-neta, que nos leva a uma grandiosa visita não só pelo local onde ele expõe seu trabalho, mas também por sua trajetória e imaginação.

A visita começa apenas de maneira discreta na primeira cena, onde observamos pela janela o artista trabalhar em uma sala pouco iluminada. Ao fotografar as grades da janela em contraste com a luz interior, como se espiássemos por esta, desenvolvemos uma noção do isolamento de Brennand do outro lado desta grade, que nos deixa de fora.

Esta sensação de isolamento é sempre reforçada pelo trabalho sonoro do longa, que usa muito sons diegéticos: da mata que cerca o local ou de um caminhar solitário pelos diversos espaços. A trilha sonora é pontual e trabalha com temas lentos e poucos instrumentos, criando um clima bucólico, ao mesmo tempo introspectivo e um pouco fantasioso em um grande trabalho de Lucas Marcier (“Histórias que Só Existem quando Lembradas“).

E se o som trabalha de modo a nos fazer experimentar reclusão, a direção de Mariana Brennand guia a chegada ao mundo do escultor filmando a entrada do local demarcada com uma seta.  A diretora confere interessantes sentidos ao filme e torna-se, também, bastante poética, por exemplo, ao aproximar a câmera do olho de uma escultura em forma de pássaro, como se esperasse que esta, que acabou de sair do forno, abrisse os olhos e ganhasse vida. E deveria, já que em um dos mais belos momentos o criador insere sua obra em um forno, este que leva um nome que evoca um mito de criação envolvendo água, argila e fogo. Outro aspecto interessante da direção foi o de escolher filmar grande parte da produção com câmera na mão e somente com luz ambiente, de modo a criar um laço de proximidade entre o espectador e o idealizador daquela obra.

Quando acompanhamos tomadas de movimento do ceramista pela antiga olaria, destaca-se o papel da montagem em manter o clima íntimo, como se fôssemos recebidos pessoalmente em sua casa e o seguíssemos curiosos. A estrutura do longa é eficiente interligando a narração, feita pela atriz Hermilla Guedes, de trechos do diário do artista com sequências de imagens da oficina, como  uma passagem sobre um pesadelo do autor em que uma enchente que o leva à galeria enquanto vemos um chafariz que introduz outra entrevista na galeria real. Além disso, a montadora Lívia Arbex faz uso de transições que introduzem os assuntos a serem abordados no documentário, quando, por exemplo, inclui uma roda de esculpir argila antes de comentários sobre a criação de cerâmicas.

É interessante notar como o personagem se depara com suas criações e, ainda animado, as redescobre e se surpreende com suas formas que ora são eróticas ora são “estranhas”, como o próprio descreve, misturando conceitos e demonstrando suas diversas facetas e influências. Picasso e Gauguin são alguns dos mencionados como inspiradores do escultor/pintor. tornando-se parte integrante do passado de estudos deste. Passado que é abordado pelo experiente Walter Carvalho (“Central do Brasil”) com uma fotografia mais granulada e com cores mais saturadas nos trechos sobre assuntos anteriores. Carvalho também trabalha o jogo de sombras dando a sensação de um ambiente mais vazio, fantasmagórico e isolado.

Neste ótimo filme encontramos um plural criador e passamos, também, a fazer parte de sua criação na cena em que este nos fotografa e finalmente, após entrarmos no seu mundo, nos despedimos em um poético momento pós-créditos em que ele incrivelmente entra no nosso. Um grande documentário em que Brennand abre as portas de sua instalação de maneira a entendermos melhor sua história, imaginação e criação que, com razão, é admirada em todo o Brasil. Um templo? Um castelo? Não. Francisco Brennand e sua oficina são um universo.

Mateus Almeida
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