Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 07 de novembro de 2012

Compliance (2012): drama provocador aborda a vulnerabilidade humana

Inspirado em fatos reais, filme de Craig Zobel testa o limite da estupidez humana em trama bem articulada.

Para chegar ao roteiro de “Compliance”, o cineasta Craig Zobel foi a fundo em estudos sobre o comportamento humano que indicavam que duas de cada três pessoas se submeteriam a fazer coisas que iriam contra os seus princípios se forçadas por alguma autoridade. Entre as mais de 70 histórias americanas que pesquisou, ele chegou a esse longa, que participou do Festival de Sundance. Além de testar o voyeurismo do espectador, que assiste paralisado à sequência de tortura psicológica e humilhação sexual entre os personagens, não há como duvidar da tendência a estupidez das pessoas em demorar a questionar a argumentação de quem detém o poder.

Na trama, Sandra (Ann Dowd) é gerente de um restaurante fast food que está tendo um dia difícil. Problemas internos e grande demanda fazem com que ela tente administrar sua equipe da melhor forma. No meio da correria, Sandra recebe a ligação do policial Daniels (Pat Healy), afirmando que uma de suas funcionárias, Becky (Dreama Walker), roubou uma cliente do estabelecimento. Forçada a investigar o caso por telefone, Sandra recebe as ordens do policial com o intuito de resolver logo o caso e provar que a garota não roubou ninguém, porém Daniels não pretende desligar até conseguir o que quer.

Roteirizado pelo próprio Zobel, o longa se desenrola em poucas locações, o que pede um cuidado apurado da montagem e do ritmo da narrativa. O elenco competente não disputa a atenção do espectador, transformando cada personagem em uma esfera de medo e de hesitação de formas diferentes. Sandra, que já enfrentava problemas de administração do fast food, quer ser uma boa cidadã e ajudar o policial. Becky, mesmo alegando que não roubou nada, se deixa levar pelas exigências feitas. Outros funcionários e até mesmo pessoas que não fazem parte daquele universo entram no roteiro para mostrar até onde o poder, nesse caso de um policial, pode influenciar em escolhas erradas.

O interessante é que, mesmo sendo fácil para o espectador desconfiar que a informação de Daniels seja falsa, em momento algum Craig Zobel reduz o interesse pela história. É como se ele denunciasse que todos podem cometer erros que, uma vez iniciados, geram uma cadeia consecutiva de problemas. É como se os personagens ficassem cegos diante das circunstâncias, o que quase sempre acontece com as pessoas reais. Daniels manipula aquele jogo de xadrez até conseguir gerar um conflito irreparável, além de causar uma sensação de desconforto pela humilhação que Becky tem que passar.

Zobel desvenda logo do que se trata a película. O cineasta segue bem claro em seus propósitos, até quando o terceiro ato vira caso de polícia de verdade e as reviravoltas são impactantes. Ao chegar a esse momento, “Compliance” é altamente perturbador para quem o assiste. É como se fosse um reality show em que o constrangimento e a vergonha de compactuar com aquela “verdade” são inevitáveis. Para potencializar esse impacto, Zobel economiza a trilha sonora, que aparece apenas para pontuar algumas transições de cena, evitando inclusive que o público seja forçado a sentir alguma coisa em relação ao que está assistindo. Mesmo assim, ela faz falta em alguns momentos de silêncio.

O trabalho com o elenco também rende fortes atuações. Ann Dowd atinge as diversas variações de Sandra, sendo épico o desfecho proposto apelo script. Literalmente sem palavras. A jovem Dreama Walker dá toda a densidade que uma vítima precisa, sem cair no melodrama. O vilão Daniels vivido por Pat Healy trabalha bem sua paranoia e, principalmente, a perspicácia ao encontrar alternativas para humilhar os outros personagens. O elenco de apoio também desempenha suas funções com competência.

Com uma história plausível e intensa, “Compliance” exercita a paciência do público ao  fazê-lo assistir de camarote a todo aquele freak show. Zobel anda discretamente na indústria americana, mas já se revela um bom contador de histórias, que é a principal necessidade do cinema.

Esse filme fez parte da programação do 9º Amazonas Film Festival, em novembro de 2012.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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