Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 09 de setembro de 2012

O Legado Bourne (2012): sequência é uma decepção para os fãs da franquia

Novo filme desperdiça um ótimo elenco e chega até mesmo a enfraquecer o desfecho da trilogia anterior em sua busca de uma razão para existir.

O mais importante dos filmes da (outrora) trilogia “Bourne” é, sem dúvidas, o primeiro longa, comandado por Doug Liman em 2002. Vejam, não estou dizendo que “A Identidade Bourne” é o melhor da série. Embora seja extremamente eficiente, empalidece em comparação com suas duas continuações diretas comandadas por Paul Greengrass.

No entanto, o longa nos apresentou a Jason Bourne e sua companheira Marie de um modo que fora estabelecida uma ligação emocional forte do público com aqueles personagens, fazendo com que a audiência ficasse não só tão curiosa quanto o próprio amnésico Bourne para descobrir suas origens, como também preocupada com o destino do desmemoriado agente e de sua namorada. Sua falta de memória nos tornava tão íntimos dele quanto ele mesmo.

Quando foi anunciado que “O Legado Bourne” nos mostraria uma história tangencial à da terceira produção da série, imediatamente levantou-se um sinal de alerta. Será que o escritor e diretor Tony Gilroy, roteirista dos dois primeiros longas e corroteirista do terceiro, repetiria a façanha de criar um herói de ação tão interessante quanto Jason Bourne e, ao mesmo tempo, nos apresentar uma trama que não comprometesse o ótimo desfecho apresentado na produção anterior?

Gilroy, afinal, havia comandado o excelente “Conduta de Risco”, mas nunca dirigiu uma só cena de ação na vida. Apesar de seu ótimo elenco, capitaneado por Jeremy Renner, Rachel Weisz e Edward Norton, e de todo o gabarito envolvido na equipe técnica, uma palavra pode resumir “Legado”: decepcionante.

Desde o começo da projeção, já fica claro que um recém-chegado teria muita dificuldade para acompanhar o desenrolar da história desta nova aventura. Mesmo com tantas inovações, é crucial o espectador ter assistido ao menos “A Supremacia Bourne” e “O Ultimato Bourne” para compreender o que se passa na tela. Isso porque um recurso utilizado no terceiro longa volta a ser empregado aqui, com a trama se desenrolando a partir do meio da fita anterior.

Enquanto esta carta na manga foi usada de maneira surpreendentemente orgânica naquela produção, rumando para uma conclusão apoteótica (o epílogo do segundo filme foi uma cena que deu início ao último ato do terceiro), aqui é tudo muito forçado, com as informações por vezes parecendo jogadas na tela apenas para lembrar ao público da relação desta nova película com a série. Na nova trama, Aaron Cross (Renner) é um agente do Outcome, um programa da CIA similar ao Treadstone que deu origem a Bourne. Este novo programa utiliza aprimoramentos biológicos no lugar de condicionamento psicológico para melhorar seus operativos.

Com toda a operação de Treadstone revelada por Pam Landy (Joan Allen) e Jason Bourne em “Ultimato”, o frio e pragmático líder por trás dessas operações, Eric Byer (Norton), resolve fechar os programas que possam vir à escrutínio público, dentre eles o Outcome. Claro que “fechar” significa “matar todos os subalternos”. Escapando dos seus antigos chefes, Cross se junta a outra pessoa na alça de mira da CIA, a Dra. Marta Shearing (Weisz) em uma fuga desesperada por suas vidas.

O primeiro plano da produção tenta estabelecer uma rima visual com “A Identidade Bourne”, mas Aaron não chega nem perto do carisma de Jason. Afinal, enquanto Bourne lutava por sua vida e identidade (e, posteriormente, por redenção e retribuição), a busca principal de Aaron é pela medicação que o permitirá continuar a ser física e mentalmente aprimorado e não por redenção ou autodescoberta, algo que de cara já enfraquece a identificação do público para com o novo protagonista e quebra um pouco os parâmetros semi-realistas dos episódios anteriores, com este plot chegando até mesmo a lembrar o recente thriller “Sem Limites”.

Além disso, pouco conhecemos sobre o operativo fugitivo no decorrer do longa, com o roteiro de Tony e Dan Gilroy dando pouco espaço para Jeremy Renner desenvolvê-lo. Fisicamente, Renner está ótimo no filme, mas o texto realmente não o ajuda. Até mesmo o agente sem nome vivido por Oscar Isaac, que surge rapidamente e interage um pouco com Cross, parece ser mais interessante e ter motivações mais profundas que Aaron.

O relacionamento do agente com Marta também evolui aos solavancos, sem química. Por mais talentosos que Renner e Rachel Weisz sejam, fica difícil acreditar no casal formado pelos dois, quanto mais torcer para que eles acabem bem. Não ajuda o fato de que a atriz seja desperdiçada na tela com toneladas de diálogos expositivos. O resultado é uma personagem nada memorável e até relativamente genérica.

Eric Byer, vivido por Edward Norton, se mostra mais uma figura de bastidores, coordenando a caça ao agente, bem nos moldes de David Strathairn e Joan Allen nos filmes passados, embora os seus objetivos e métodos remetam mais ao personagem de Chris Cooper no original. O núcleo político e nada glamouroso onde Byer está inserido é, de longe, o mais interessante da produção e o que mais nos lembra que estamos assistindo a um “Bourne”. É uma pena que Renner e Norton troquem palavras por pouquíssimos segundos e nunca em posição adversarial.

Até mesmo o agente perseguidor que encara Aaron de frente não consegue criar uma presença mais ameaçadora, parecendo mais um T-800 dos pobres do que qualquer outra coisa, sendo uma nulidade em cena. As sequências de ação são poucas, curtas e espaçadas. São razoavelmente competentes, mas passam longe da urgência dos capítulos anteriores, um pouco porque nos importamos menos com os envolvidos e outro tanto porque o montador John Gilroy confunde agilidade com cortes rápidos quase incompreensíveis. O destaque vai para a perseguição de motos em Manila, que gera um dos melhores planos da fita.

A pá de cal em “O Legado Bourne” é o fato de que sua trama acaba fazendo com que todos os esforços de Jason Bourne em “Ultimato” acabem sendo por nada, enfraquecendo aquilo que havia sido uma bela conclusão para a história. Em uma entrevista para a GQ, Matt Damon havia dito que o roteiro original de Tony Gilroy para aquele filme era terrível, algo difícil de acreditar dado o talento do escritor e roteirista comprovado por seus trabalhos anterirores. Após assistir este longa, a afirmação do ator parece até plausível.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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