Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 02 de setembro de 2012

Procura-se um Amigo para o Fim do Mundo (2012): trama profunda e divertida

Comédia dramática compensa as falhas do roteiro e a inexperiência da direção com personagens interessantes e atuações carismáticas.

O que você faria se o mundo fosse acabar? Para a maioria das pessoas em “Procura-se um Amigo para o Fim do Mundo”, a resposta seria uma vida regada de excessos e desprovida de regras: álcool e drogas ilícitas, sexo com qualquer um, roubos, homicídios, caos urbano, etc. Já Dodge (Steve Carell) e Penny (Keira Knightley) – dois vizinhos que nunca haviam se falado até duas semanas antes do apocalipse – estão mais interessados em resgatar assuntos mal resolvidos do passado.

Enquanto ele busca reatar um compromisso com uma antiga namorada de juventude, uma vez que foi abandonado pela esposa, ela deseja passar os últimos dias com a família, da qual se distanciou em troca de relacionamentos amorosos incertos. Percebendo que podem se ajudar em seus objetivos particulares, eles partem juntos rumo à última oportunidade de serem felizes, nem que seja apenas por um breve período.

É interessante como a roteirista e diretora Lorene Scafaria trabalha um evento global em uma escala pessoal. A ameaça do asteroide Matilda, que em três semanas atingirá a Terra, só é relevante em função do que significa para Dodge e Penny. O fim do mundo, que já começa bem antes da queda do asteroide, é a desconstrução do mundo interior dos protagonistas, que precisam rever seus valores, sonhos e arrependimentos para assim poderem se reconstruir enquanto seres humanos e viver (ou morrer) em paz.

Carell e Knightley são carismáticos, têm uma boa química e definem bem seus personagens, sendo um praticamente o oposto do outro – e talvez por isso se complementem. Ele é tímido, reservado e pacato, enquanto ela é extrovertida, comunicativa e gosta de novas experiências. Entretanto, ambos compartilham algo em comum: a solidão. Cada um lida com ela de sua maneira particular, mas é isso que os une.

É admirável o esforço de Carell para não se render a qualquer oportunidade de fazer rir (há muitas), atendo-se apenas ao drama real de Dodge e às reações mais naturais e coerentes com sua personalidade. Knightley também faz um bom trabalho, mas é bastante exagerada, como se precisasse demonstrar fisicamente tudo o que Penny sente ou pensa. Este caráter não deixa de ser cabível à  personagem, que parece ter sérios problemas de instabilidade emocional, mas sua atuação chega ao nível do artificialismo em alguns momentos. Ao contrário de Carell, Knightley parece se preocupar mais com a reação do público do que com a realidade do filme.

Assim como no roteiro, Scafaria também peca na direção, o que é compreensível visto que esta é sua estreia na função. Sua inexperiência compromete a carga dramática de cenas importantes, que são sustentadas apenas pelas atuações – palmas para a breve, porém ótima, participação de Martin Sheen como Frank. A cena mais efetiva neste sentido é a do apresentador de telejornal que se despede de seu público e fala brevemente sobre sua família. Ironicamente, a cena de um coadjuvante com pouquíssimo tempo de tela é a mais tocante do longa, o que causa certa estranheza.

O cenário apocalíptico, que em alguns locais é abandonado e em outros é caótico, também não é aproveitado satisfatoriamente. Isto pode ser justificado pela proposta intimista, que foca toda a narrativa nos personagens. Porém, uma maior atenção ao elemento ambiental certamente poderia dispensar o constante lembrete expositivo de que o mundo vai acabar, sem que o âmbito pessoal fosse prejudicado com isso. Em compensação, as diferentes maneiras com que as pessoas lidam com a catástrofe, que vão desde farras e orgias até a preparação física e do estoque de mantimentos para reorganizar a humanidade após o evento, rendem boas interações com os protagonistas.

O filme tem uma atmosfera bem delimitada, mas isso não o impede de brincar com gêneros como ficção científica e road movie, o que adiciona bastante à narrativa. O humor leve e as boas atuações conferem diversão e reflexão em um equilíbrio que funciona. Apesar das consideráveis falhas, “Procura-se um Amigo para o Fim do Mundo” cumpre sua proposta e merece ser visto.

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

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