Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Um Lugar Qualquer

Sofia Coppola continua melancólica e compondo belas imagens, mas a repetição temática e estética tiram a força dos carismáticos personagens de seu mais novo longa.

Sofia Coppola é uma cineasta que filma o nada como ninguém. Seus filmes têm um ritmo próprio, lento e contemplativo. Os tempos-mortos dominam seus trabalhos, sempre pontuados por um olhar delicado e melancólico. Os personagens vagam pelas cenas muitas vezes sem rumo e sem propósito. Coppola está pouco preocupada com a ação em si. Seu interesse é pelo banal e como esse banal afeta a vida de seus personagens, geralmente são pessoas deslocadas e perdidas na própria vida.

Foi assim em “As Virgens Suicidas”, estreia da diretora, no qual cinco irmãs se veem presas pelas amarras de pais controladores. “Encontros e Desencontros” investiga a relação entre um ator maduro e uma jovem perdidos entre os arranha-céus e as ruas de Tóquio. “Maria Antonieta” vai mais longe e apresenta uma versão mais blasé e quase indie da vida da personagem histórica decapitada na França da Revolução.

Um universo particular que se repete agora em “Um Lugar Qualquer”, trabalho mais irregular da diretora por simplesmente emular, sem a mesma força, tudo que Coppola já fez antes. Estão lá os personagens incompreendidos, o cenário cool (mais uma vez um hotel), uma nova pessoa que chega para abalar a estrutura do cotidiano de alguém (nesse caso, uma filha visitando o pai), o ator bem-sucedido e imerso em uma realidade vazia e mais uma série de elementos que fez o sucesso dos filmes anteriores da cineasta.

Se tematicamente o filme se repete, esteticamente Coppola mantém seu mesmo padrão de qualidade. A edição é lenta e não traz a relação causa-efeito como fator motivador. As imagens são belas, quase plásticas no modo como são apresentadas. A câmera passeia pelos cenários de modo observador, sempre atenta a ações banais e corriqueiras (um café da manhã sendo preparado, um mergulho na piscina, uma partida de baralho). Mas nada disso é efetivamente importante, e sim o que está se passando internamente nos personagens.

Nada realmente acontece em “Um Lugar Qualquer”, e Coppola sabe filmar esse nada de um modo que desperta nosso interesse. Mas, desta vez, a cineasta se perde no universo que ela mesma criou e entrega um trabalho correto e bonito, mas sem a mesma originalidade e honestidade presente nos outros exemplares de sua filmografia. Filmado de modo extremamente blasé, o longa parece ser um trabalho planejado e calculado demais. Coppola não esconde o deslumbramento com seu universo particular e isso acaba pesando contra.

O resultado é um trabalho repetitivo, mas sem a mesma paixão. Se os elementos peculiares a Coppola estão lá, eles parecem estar no lugar errado. A contemplação é excessiva. As imagens duram mais do que o necessário e são vazias de significado. A trilha sonora, característica sempre marcante nos filmes da cineasta, é tímida e faz falta, o que de certa forma mostra uma certa dependência das imagens criadas pela diretora em relação à música. Até o carisma dos personagens, bem interpretados por Stephen Dorff e Elle Fanning, perde-se diante um filme claramente sem um roteiro, digamos, mais convencional.

Ele é um ator de sucesso que mora em um famoso hotel em Los Angeles e se reveza entre as atividades de divulgação de seus filmes e os prazeres e ócio da profissão. Ela é sua filha, uma menina de 11 anos que pratica patinação no gelo e tem uma queda por culinária. A relação entre os dois é a força central do longa e serve de cola para as várias cenas desconexas que permeiam a produção. Além da falta de um roteiro mais elaborado, até condizente com a proposta de trabalho de Coppola, o longa se revela mais um amontoado de esquetes do que propriamente um filme com cenas bem amarradas.

Para alguns, isso pode ser um diferencial da obra da cineasta, justificando a repetição tão marcante que a película representa na carreira de Coppola. Para outros, o filme comprova as limitações temáticas e estéticas da diretora. Entre uma opção ou outra, em “Um Lugar Qualquer”, a cineasta confunde vazio existencial com vazio narrativo e entrega um trabalho tão intimista, minimalista e blasé que não causa nenhum impacto. Este é, assim, um filme para dentro. Vindo de alguém que tem um longa como “Encontros e Desencontros” na bagagem, isso não deixa de ser uma decepção. Uma decepção bonita de ser ver, é verdade, mas, ainda assim, uma decepção.

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Fábio Freire escreve para o CCR desde 2010. É jornalista formado pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e mestre em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), com pesquisa sobre a relação entre música pop e cinema. Já passou dos 30, mas ainda assim entende mais sobre cinema, música e seriados do que entende sobre gente.

Fábio Freire
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