Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 04 de fevereiro de 2011

Splice – A Nova Espécie

Apostando em uma mistura um tanto irregular de ficção científica e terror, o filme apresenta uma série de possibilidades que nunca se desenvolvem em virtude de uma direção sem pulso.

Ficção científica e terror são dois gêneros que muita vezes andam de mãos dadas. Em alguns casos, a mistura funciona, como no clássico “Alien, O Oitavo Passageiro”, que usa o futuro e uma nave espacial como cenários de uma trama claustrofóbica e aterrorizante. Em outros, o caldo entorna e o filme  não funciona nem como uma coisa nem outra: o recente “Predadores” serve como exemplo. “Splice – A Nova Espécie” fica em cima do muro: não chega a ser um desastre, mas passa longe de ser um clássico.

O mais recente trabalho do cineasta Vincenzo Natali – que estreou na direção com o surpreendente “Cubo”, outro exemplar resultante da boa mistura dos gêneros – fica no meio caminho entre uma ficção científica mais cabeça e um terrorzão assustador. Tentando trafegar entre os dois gêneros, o diretor escorrega ao não conseguir ser relevante em nenhum deles.

No lado científico, o filme tenta levantar uma série de questões éticas sobre genética, um tema ainda não tão explorado pelo cinema (o ótimo “Gattaca, Experiência Genética” e o irregular “Mutação” são alguns exemplos). Na linha do terror, o longa explora o medo do ser humano diante de uma nova espécie ainda não conhecida, na verdade, criada em laboratório pelo próprio homem.

“Splice – A Nova Espécie” começa ousando e demonstrando o apuro visual de Natali, característica fundamental tanto para a ficção científica quanto para o terror. De forma inusitada, Natali coloca o espectador para enxergar pela perspectiva de uma criatura monstruosa que acabou de ser criada em um laboratório. Sem muitos rodeios, o diretor nos apresenta os dois personagens principais (os cientistas vividos por Adrien Brody e Sarah Polley) e seus objetivos: revolucionar a ciência ao criar uma nova espécie decorrente da mistura de genes de vários animais, inclusive do homem.

Surge aí o principal dilema da produção dentro da perspectiva da ficção científica. A ética e a moral versus o avanço científico. A velha dicotomia razão versus emoção. Evoluir, avançar cientificamente, curar doenças, massagear o ego, ou continuar estagnado em função de princípios morais e religiosos. Claro que o filme não foge muito do clichê “não mexa com a natureza” e. a partir da criação dessa nova espécie, o longa abre caminho para o terror.

Também sem fugir muito dos clichês do gênero, a produção bebe diretamente na fonte da obra “Frankestein”, mostrando o horror do homem diante de um ser desconhecido criado por ele mesmo. A criatura desenvolvida em laboratório de modo ilegal e fora de registro pelos dois cientistas é apresentada primeiro como um achado científico, depois como uma ameaça.

Se a experiência genética levada a diante por Brody e Polley (claro que, para reforçar o clichê, a mulher é sempre responsável pela decisão errônea) foge do controle dos dois, o mesmo pode-se dizer de Natali em relação à sua obra. Este é um filme cheio de possibilidades, mas que peca justamente por tentar explorar todas sem se prender realmente a nenhuma.

O começo é tenso e a ambientação muito bem construída. Mas todo esse esforço vai perdendo impacto a medida em que o longa começa a atirar para todos os lados, abraçando sem a menor restrição alguns clichês que são antecipados por qualquer cinéfilo com um pouco de repertório em ambos os gêneros.

Também pesa contra o filme o fato de que Natali, apesar de ser um ótimo esteta da imagem, é um diretor de atores bastante irregular (característica já presente em “Cubo”, no qual as péssimas atuações quase estragam toda a brincadeira). Não que Brody e Polley não sejam bons atores, mas ambos, principalmente ela, muitas vezes atuam em um registro completamente inadequado à proposta da produção.

O registro meio cômico que Natali adota em algumas cenas também prejudica o filme, muitas vezes transformando-o  em um pastiche de si mesmo. Entre tantas referências, o longa padece por não oferecer nada novo (em alguns momentos, quando Polley passa a educar a criatura como um ser humano, o filme adota um jeito “Nell” de ser, aquela produção em que Jodie Foster é um bicho do mato).

Enquanto ficção científica, é um filme que sofre pela falta de clima e uma ambientação mais ousada, além de não desenvolver uma série de possibilidades para sua trama central. Já como terror, é um longa correto, que traz os habituais sustos e mortes, mas não aposta em um horror genuíno e que leva o espectador a um outro nível de tensão.  No final, é um passatempo divertido, correto, mas que prometia muito mais.

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Fábio Freire escreve para o CCR desde 2010. É jornalista formado pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e mestre em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), com pesquisa sobre a relação entre música pop e cinema. Já passou dos 30, mas ainda assim entende mais sobre cinema, música e seriados do que entende sobre gente.

Fábio Freire
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