Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 03 de outubro de 2010

Comer Rezar Amar

Um sonífero.

Dizem as fofocas nos bastidores de “Comer Rezar Amar” que Ryan Murphy e Jennifer Salt consultavam constantemente Elizabeth Gilbert, escritora do livro homônimo e autobiográfico, no processo de produção do roteiro. Se é verdade, ninguém sabe, mas tudo indica que mais uma vez os fofoqueiros estão corretos. Tudo porque o filme é o típico caso de uma adaptação sem identidade cinematográfica, em que se busca retratar o maior número de fatos possível da obra original. Resultado: temos uma película longa demais, chata demais, que faz o público se retorcer na poltrona esperando ansiosamente pela chegada dos créditos. E quando eles chegam se torna mais óbvia ainda a fragilidade de uma fita recheada de lições de moral de botequim.

A história já se tornou bastante conhecida pelos leitores de auto-ajuda de plantão, que levaram o livro a atingir um número de vendas exorbitante por todo o planeta. Como protagonista, temos Liz Gilbert (Julia Roberts), uma escritora bem-sucedida de meia-idade, casada, moradora de Nova York, teoricamente dona de uma vida perfeita. Apenas teoricamente. Insatisfeita com boa parte da rotina que leva, ela decide modificar seus dias. Primeiro pede o divórcio do marido, depois resolve viajar o mundo, mais especificamente para três lugares.

A partir de então, Liz segue em uma jornada em busca de si, do autoconhecimento, de entender os motivos que a deixam triste. Primeiro, vai para a Itália, onde conjuga todos tempos do verbo “comer”, se deliciando com as massas locais, mas sem esquecer de fazer amizades. Depois vem a Índia, onde o seu grande objetivo é o equilíbrio religioso. Finalizando sua viagem de um ano, a escritora parte para Bali, apenas meses depois de visitar a ilha. Lá, por coincidência, acaba encontrando a felicidade amorosa e, conseqüentemente, a paz interior.

Ah se “Comer Rezar Amar” fosse tão sucinto quanto a sinopse acima! Mas não é. O que Murphy e Salt nos entregam é um longa-metragem demasiado pretensioso, absolutamente cheio de cenas e diálogos dispensáveis, trazendo em sua duração o seu mais evidente problema. São exatos 133 minutos de filme, que mais parecem um dia todo de projeção, cansando o espectador com os dilemas de sua protagonista, que não sabe se passa por uma depressão ou apenas cansou do ritmo de sua vida, decidindo desacelerá-lo quase por completo.

É necessário dizer, no entanto, que a fita começa com relativa qualidade. Mesmo não aproveitando bem a introdução para aprofundar a personalidade de Liz, a direção do próprio Ryan Murphy permanece sóbria e eficiente, atingindo o ápice nos passeios da personagem pelas ruas de Roma, onde o cineasta parece querer se desvincular da rigidez do roteiro, brincando com aceleração de imagens, cortes rápidos e metáforas engraçadas (a sequência em que Liz experimenta uma calça jeans e assisti a uma partida de futebol é ótima). O trabalho de direção de Murphy (criador da série “Glee”), enfim, funciona ao flertar com a comédia.

Ao cair no drama, o longa desmorona por completo. E tudo piora, por coincidência, quando Liz parte para a Índia. Os diálogos redentores, cheios de lições de moral, que já acometiam o filme até então, se multiplicam com uma enorme intensidade. As situações em que ela se embrenha também não são atraentes, talvez porque o tom de fita de auto-ajuda passe a ser tão explícito. Torna-se insuportável ver Liz conversar por inúmeras vezes com o xamã Ketut Lyer e vê-lo dar conselhos repetidos e rasos, que apenas os mais carentes e necessitados acreditariam e seguiriam. E tudo recheado com o mau-humor da assistente dele, que deveria funcionar como peça cômica.

Nem mesmo o talentoso ator espanhol Javier Bardem, que surge no ato final do longa, ameniza a chatice. Assim como boa parte dos personagens “estrangeiros” do filme, o seu Felipe, um brasileiro dono de um português desconfiável, é um estereótipo, finalizando com “um erro de escrita” a conjugação do derradeiro verbo que dá nome a produção. Se há bons momentos na hora final, esses são os flashbacks de Liz, revivendo com certa intensidade e delicadeza dias cruciais dos últimos anos de sua vida.

Quem salva “Comer Rezar Amar” do desastre é ninguém menos do que Julia Roberts. Talvez a mais carismática de todas as atrizes de Hollywood, Roberts traz a naturalidade necessária para compor sua personagem, transitando do drama a comédia como poucos e fazendo de sua Liz uma simpática e ao mesmo tempo atraente mulher. Uma pena que o roteiro queira ser tão leal ao livro e faça com que não suportemos mais sua história com uma hora de projeção. Estamos diante de um claro exemplo de uma adaptação fiel que resultou num filme ruim.

Darlano Didimo
@rapadura

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