Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Destinos Ligados

Com um ótimo elenco feminino em mãos, Rodrigo Garcia constrói um mosaico de histórias que eventualmente se ligam e despertam no espectador emoções verdadeiras.

Impossível não traçar um paralelo entre “Coisas Que Você Pode Dizer Só de Olhar para Ela”, primeira incursão de Rodrigo Garcia como diretor no cinema, e “Destinos Ligados”, seu trabalho mais recente. Os dois filmes conversam diretamente um com o outro e trazem algumas semelhanças. A estreia de Garcia narra a história de várias mulheres lidando com questões típicas do universo feminino: solidão, aborto, maternidade, doenças, expectativas amorosas etc. A estrutura é quase de pequenos curtas soltos, mas unidos por frágeis pontas.

“Destino Ligados” segue a estrutura de um filme mosaico. Personagens que vão e vem na narrativa e, em algum ponto, têm suas histórias interligadas. Nesse caso, o tema que conduz as tramas é o mesmo: a maternidade. Annette Bening é uma mulher amarga e ressentida que nunca conseguiu superar a dor de ter entregue, quando adolescente, sua filha para a adoção. Naomi Watts é uma mulher bem-sucedida e financeiramente independente que esconde suas fragilidades por trás de uma postura durona e ameaçadora. Já Kerry Washington sofre por não poder dar ao marido um filho próprio e opta por fazer a via crucis de adotar uma criança.

Três mulheres de personalidade forte e que passam por momentos definidores em suas vidas. A personagem de Bening acaba de perder a mãe, única pessoa com quem parecia ter algum tipo de conexão, ainda que nem sempre saudável. Watts se descobre grávida do amante, ninguém menos que seu chefe (um Samuel L. Jackson bem mais contido do que o de costume). E Kerry enfrenta dificuldades vindas de todos os lados, inclusive do marido, no caminho para a adoção. Inicialmente, são mulheres pouco carismáticas e que só despertam pena.

Mas para a sorte de Rodrigo Garcia e do espectador, as atrizes seguram as pontas e entregam belas atuações. É esse justamente o principal mérito do longa. Se a estrutura de quebra-cabeça narrativo já foi explorada à exaustão e, hoje, mais parece uma estratégia pobre para esconder roteiros imperfeitos, “Destino Ligados” se beneficia dá ótima construção das personagens, todas essencialmente humanas em suas falhas, e das interpretações das atrizes.

Sim, a produção peca pela obviedade em que os laços entre essas três mulheres é  estabelecido (qualquer espectador com o mínimo de referência e embasamento cinematográfico consegue prever o desenrolar das histórias). Mas Garcia reverte esse problema ao conduzir a trama com uma mão leve e que evita o dramalhão fácil, o que minimiza a superficialidade e a rapidez de alguns acontecimentos.

O resultado é  um longa eficiente em sua função de emocionar. Uma ou outra situação é menos explorada pela edição, e a trama de Kerry Washington, apesar de intensa, perde espaço para o drama de Benning e Watts, diminuindo a força do conjunto. Mas o diretor compensa esses defeitos com um olhar apurado e carinhoso para suas personagens/atrizes. O filme segue, assim, a mesma “fórmula” já testada e aprovada em “Coisas Que Você Pode Dizer Só de Olhar para Ela”.

Alguns dirão que Garcia é um cineasta limitado e sem criatividade. Outros verão nele um diretor perfeito para representar temáticas femininas no cinema. Mas a verdade é que tanto sua estreia quanto “Destinos Ligados” , mais do que filmes-irmãos, são longas sensíveis que lançam um olhar delicado sob questões que perpassam o universo feminino sem cair na armadilha de recorrer a estereótipos. Nenhum dos dois chega a ser perfeito. Ambos trafegam no limite entre o piegas, o clichê e o melodramático. Mas Garcia sabe como lidar com esses elementos na medida, sem apelar para excessos.

Se estruturalmente tanto “Destinos Ligados” quanto “Coisas Que Você Pode Dizer Só de Olhar para Ela” são filmes convencionais e caretas, ambos compensam essa falta de ousadia trazendo uma narrativa lenta e quase contemplativa que coloca as personagens no centro das atenções. Garcia é dono de um cinema sincero e que privilegia sentimentos honestos, sejam os das personagens, sejam os dos espectadores. Diante de um cenário cinematográfico que parece ter esquecido como emocionar de verdade, Garcia é um cineasta estranho e seus filmes quase deslocados. Palmas para ele.

Fábio Freire
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