Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 12 de dezembro de 2009

Casablanca

Não é exagero quando dizem que “Casablanca” é um dos filmes mais marcantes de todos os tempos. Suas cenas, diálogos e a imortal canção-tema ocupam lugar de destaque na galeria de obras-ícone do cinema americano. Com muito mérito!

casablancaÉ lindo ver como mais de 60 anos depois uma história de amor e desencontros, filmada em 1942, ainda consiga despertar emoções genuínas em quem vê e manter-se jovem, popular, fresca, nova. Assim é com “Casablanca”, uma das obras mais lembradas e idolatradas quando se fala em cinema. À época, nem de longe sonhava-se que esta obra escreveria seu próprio destino, mas falar de amor é falar do popular, é falar do que vai ao coração, e isso o filme faz com perfeição ao contar as dores de dois amantes em plena Segunda Guerra Mundial.

Enquanto a Alemanha avança sobre a Europa, Ilsa (Ingrid Bergman) e Rick  (Humphrey Bogart) apaixonam-se em meio ao caos trazido pela ocupação Nazista em Paris. Os dois vivem dias de paixão até se virem acuados, tendo que deixar a França às pressas, porém Ilsa o abandona na estação de trem, deixando apenas um raso bilhete de despedida, sem nenhuma explicação. É então que “Casablanca” (território neutro durante a guerra) entra na vida de Rick, transformando-o em um homem influente e transtornado pela perda de seu grande amor. Alguns anos depois, Ilsa reaparece em sua vida como esposa do herói Victor Laszlo, em busca de um meio de fugir para o Novo Mundo.

Não é nenhum segredo o roteiro, os diálogos, as cenas ou o final de “Casablanca”. Tudo o que se falou sobre o longa de Michael Curtiz (“Sansão e Dalila”“As Aventuras de Robin Hood”) é definitivo, muito já foi discutido e dissecado. As falhas dos roteiristas, os erros de direção, mas acredito que se há algo que deve sempre ser lembrado ao se falar em “Casablanca”: a capacidade de suscitar emoção em quem o vê. Ele é tão “old school” que torna-se cada vez mais moderno, mais charmoso, mais apaixonante, mais clássico e inesquecível.

A fotografia em preto e branco de Arthur Edeson e a direção de arte – brilhante – de Carl Jules Weyl ajudam a criar um clima todo único, de sofisticação, de conflito e também de intimidade. Como não se apaixonar por Humphrey Bogart e seu ácido Rick? Como não se compadecer do sofrimento de Ilsa? E por que não dizer, como não se solidarizar com a causa Francesa, antipatizar com os Nazistas e achar graça em um oficial dono de uma aptidão para a dualidade e comentários ácidos? Isso sem falar nos personagens secundários: o eterno amigo Sam (Dooley Wilson), a linda amante Ivonne (Madeleine LeBeau), o malandro Ugarte (Peter Lorre) e o malicioso Senor Ferrari (Sydney Greenstreet)?

Humphrey Bogart tem um desempenho fenomenal com o personagem Rick. O contraste de caráter e comportamento antes e depois de ser abandonado por Ilsa é magistral, seja na expressão do olhar, no movimento do corpo, na entonação das palavras. O cinismo tão alardeado como um marca própria do ator, aqui ajudou a compor o amargurado e sombrio dono do Rick’s Bar. Bogart foi aqui o precursor do anti-galã, do anti-herói, do anti-carisma que seduz, tão imitado e copiado até hoje. De Han Solo a Indiana Jones, passando por James Bond e muitos outros personagens.

Ingrid Bergman, mesmo com as reviravoltas de um roteiro que nunca ficava pronto, conseguiu imprimir em Ilsa o conflito interno de uma mulher dividida entre dois amores, incerta sobre o seu futuro e sobre o seu presente. Claude Rains, que faz o impagável Capitão Renault (Chefe de Polícia de Casablanca), traz à trama um pouco de leveza, já que seu personagem é um homem da lei a serviço de seus próprios interesses. Suas falas são as mais cínicas, até mais que as de Bogart, principalmente quando se referem à caráter e política. Paul Henreid, que à época tinha mais fama que os outros atores, faz Victor Laszlo, marido de Ilsa, um dos ídolos da Resistência, em um papel secundário, mas essencial à trama, já que é em seu entorno que se dá as reviravoltas da história.

“Casablanca” tem personagens carismáticos que não se restringem apenas ao núcleo central da trama. Cada um está lá para ajudar a compor o perfil dos outro e assim tornam tudo mais interessante. Curtiz nunca foi considerado um diretor excepcional, tinha até mesmo fama de “difícil” e “genioso”, mas  aqui soube dosar com muita sensibilidade a ação, o humor, o romance e o drama. Soube criar uma ambientação que seduz o espectador, que nos leva para dentro da história, queremos entrar no Rick’s e tomar um drinque e ouvir o Sam tocar “As Time Goes By”, queremos de alguma forma participar daquilo que em tela é uma experiência exclusiva para cada um. Definitivamente, um blockbuster dos nossos tempos, mas às avessas.

Nostálgico, mesmo em 1942, “Casablanca” tem um dos finais mais dignos e anti-hollywoodianos em uma época em que isso era impensável. O longa ousou em manter amantes separados, ousou ao discutir política, ao colocar grandes nomes em papéis secundários e vice-versa, ousou mesmo sem querer ousar. Foi indicado ao Oscar em cinco categorias e levou três estatuetas de melhor filme, diretor e roteiro de 1943. Mas prêmios não criam “cults”, e hoje a belíssima música de Herman Hepfeld continua sendo a canção-símbolo do romantismo em todo o mundo civilizado, assim como o filme continua sendo uma das obras mais copiadas e reverenciadas entre cinéfilos, críticos e entusiastas da Sétima Arte.

“Casablanca” não é um filme perfeito, pelo contrário, tem seus erros aqui e acolá, porém ele consegue o que muitas obras desejam e mesmo com muito esforço não conseguem: ele atiça, confabula e mexe com a emoção de quem assiste. Por isso é imortal, sentimental e essencial a quem gosta de cinema, da vida e do amor.

Debora Melo
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